Cem por cento reciclável, o vidro é um dos grandes protagonistas quando o assunto é reaproveitamento de materiais. Tudo que é vidro vira vidro. Expressão comum na indústria vidreira, a frase traduz o enorme potencial de reciclagem do produto que, no entanto, ainda é pouco coletado no Brasil. Por essa razão, e buscando uma adequação às novas exigências legais para a gestão de resíduos sólidos que entram em vigor este ano, a Abividro (Associação Brasileira das Indústrias Automáticas de Vidro) apresentou ao Ministério de Meio Ambiente um modelo de gerenciamento inspirado em práticas de reciclagem adotadas nos países europeus.
Embora não seja o único com tamanho potencial de reciclagem, o setor vidreiro é o primeiro a propor um modelo de logística reversa para embalagens. A ideia é implantar uma instituição gerenciadora responsável por intermediar as relações entre municípios, cooperativas de catadores, beneficiadoras, fabricantes de vidro e envasadoras. Além disso, caberia ao órgão negociar operações de compra e venda de recicláveis triados, gerir a logística reversa e promover campanhas de conscientização sobre reciclagem.
“O modelo que propomos atende a todos os pontos da Política Nacional de Resíduos Sólidos, ao implementar a responsabilidade compartilhada, criar um sistema de logística reversa e assegurar destinação adequada dos materiais recicláveis”, afirma o superintendente da Abividro, Lucien Belmonte, que ressalta a necessidade de cooperação de outros setores de embalagens. “É preciso uma ampla discussão entre todos os setores envolvidos”, diz. “Sozinho ninguém resolve esse problema.”
Embora os índices de reciclagem de vidro no Brasil estejam em processo de atualização, até o ano de 2008, estimava-se que 47% do material jogado fora era reaproveitado, algo em torno de 470 mil toneladas por ano. Poderia ser muito mais. Grandes fabricantes, como Owens-Illinois, Saint –Gobain e UBV, utilizam os cacos na composição da maioria de seus produtos. “O caco de vidro é utilizado em praticamente todas as indústrias de vidro, pois, além de 100% recicláveis, diminuem o consumo de energia e aumentam a vida útil dos fornos”, afirma Sergio Minerbo, presidente da UBV. “O vidro não perde nenhuma de suas características físico-químicas quando é fundido novamente, independentemente do número de vezes que isso aconteça. Hoje a população já tem consciência de que vidro se recicla e que tem valor”, avalia Minerbo.
Desde a criação, no ano passado, de um novo modelo de medição definido pela ABNT, não há dados atualizados sobre o volume de reciclagem de vidro, provavelmente menos de metade do que se produz. São embalagens de vidro usadas para bebidas, produtos alimentícios, medicamentos, perfumes, cosméticos e outros artigos que vão parar no lixo. “Desperdiça-se um material que poderia ser totalmente reaproveitado”, observa Belmonte.
O executivo explica que há três tipos de reciclagem do produto, correspondendo ao vidro plano, o automotivo, e o de embalagem. “Para o reaproveitamento desses materiais, existem cadeias que funcionam de forma não organizada. Se trabalharmos em conjunto, teremos ganhos de produtividade, preço e escala que dariam forte impulso aos índices de reciclagem.”
Em boa parte das empresas ligadas à indústria vidreira, a reciclagem está inserida no próprio processo de produção. Segundo o presidente da UBV, a fabricação de vidro gera um volume de caco resultante de perdas naturais do processo, como corte do bordo, ajustes de espessura e trocas de padrão. “Todo esse caco é transportado para baias de acondicionamento, de onde retornam ao forno”, explica Sergio Minerbo. “Em outras palavras, toda a perda da produção é reaproveitada.” O executivo lembra que, no caso da UBV, somente o vidro incolor e sem materiais estranhos, como ferro e alumínio, pode ser reaproveitado. “Vidros laminados, serigrafados, pintados, coloridos ou espelhos não entram no nosso processo, pois afetam a qualidade, rendimento e a cor final do produto”, explica. Para ele, a grande dificuldade na operação de logística reversa é o recolhimento da sucata gerada em pequenas vidraçarias, etapa prevista no projeto da Abividro. Já o caco resultante do processo de beneficiamento tem sistemas de coleta e retorno relativamente simples. Empresas especializadas recolhem o material, normalmente já separado por cor. “Em alguns casos, fazem a escolha e já entregam dentro das especificações”, informa.
A coordenadora de sustentabilidade da Owens-Illinois do Brasil, Lucia Moreira, concorda que a reciclagem é parte do ciclo natural de produção do vidro. “Existem duas maneiras de produzir embalagens de vidro. Uma delas é com matérias-primas como areia, barrilha, calcário e feldspato. A outra é com matérias-primas e cacos de vidro. Adotamos a segunda forma há muito tempo, e o processo de reciclagem se tornou inerente à produção de vidro”, afirma. Maior fabricante de embalagens de vidro do País, a O-I usa 150 mil toneladas de caco por ano no seu processo produtivo. Para Lucia Moreira, a logística reversa é um desafio para a reciclagem de qualquer embalagem. “Pelas dimensões continentais do País, a operação implica elevados gastos com frete, que podem inviabilizar a operação”, ressalta.
A O-I conta com duas empresas parceiras para fazer a reciclagem: a Recitotal, focada em embalagem, e a Massfix, especialista em vidro plano. Há mais de 20 anos no segmento, a Massfix chega a processar 6,5 toneladas por mês. “Nós compramos os resíduos de fornecedores, aos quais pagamos num prazo de 7 dias. Cada tipo de sucata de vidro tem um valor – quanto menos contaminado, maior é seu preço”, informa a sócia-diretora Juliana Schunck. Segundo ela, 80% do faturamento da empresa vem da venda do vidro moído em grãos. O restante, da venda de cacos, cortados em pedaços uniformes, para empresas como Saint-Gobain e UBV. “Em comparação com outros recicláveis, o vidro é material de menor valor”, afirma a empresária.
Outra empresa do ramo é a Pastglass, que presta serviço para indústrias moveleiras, de blindagem, de têmperas e vidraçarias. Também de São Paulo, a empresa recolhe 800 toneladas por mês entre resíduos de vidro misto e incolor. “Atuamos há 24 anos no ramo. No começo, éramos vistos como sucateiros, mas hoje, com a maior preocupação ambiental, ganhamos o status de empresários do ramo de reciclagem de vidros”, resume Benê Bueno, sócio-proprietário. Para ele, a falta de conscientização de quem gera a sucata para dar a ela a correta destinação é o principal entrave para o aumento da reciclagem de vidro no Brasil.