Tricotando no vidro

Tricotando no vidro

Capa: Tricotando no vidro

Artista canadense estabelecida em Seattle, nos Estados Unidos, Carol Milne tornou-se internacionalmente reconhecida ao criar uma técnica de esculpir no vidro. Seus trabalhos em “vidro tricotado” tornaram-se famosos por conjugar duas habilidades manuais aparentemente sem relação entre si: vidro fundido e tricô. Mas, afinal, seria possível tricotar o vidro? De fato, para quem olha as obras de Milne, a primeira sensação que vem é: “Que tipo de mágica está por trás desse efeito?”

 

 

“Quis mesmo dar um nó na cabeça das pessoas, deixá-las intrigadas, imaginando como aquilo teria sido feito. Ou seja, como seria possível tricotar com linhas de vidro”

 

Lançada em 2006, fruto de mais de 15 anos de experiência com outras modalidades de arte vidreira, a expressão artística que imprimiu identidade definitiva à obra Milne ficou conhecida como Knitted Glass, algo como “Malha de Vidro”, e incorpora técnicas de tricô, derretimento de cera (um método conhecido como fundição por “cera perdida”), moldagem a quente e fundição do vidro no forno, usando moldes que podem ser de gesso ou sílica. “O processo envolve diversas etapas, a primeira delas a de tricotar a peça de arte original usando fios de cera”, descreve Milne. “A cera deve ser envolta por um material refratário tolerante ao calor”. “Para criar o molde, basta remover a cera, derretendo-a.”

 

 

“O processo envolve diversas etapas, a primeira delas a de tricotar a peça de arte original usando fios de cera”

 

O molde é então levado ao forno, depois de ter sido preenchido com cristal de chumbo – tipo de vidro usado em taças, que se distingue por seu alto teor de chumbo e por conter matérias-primas de qualidade superior em pureza. “O vidro cristal e o vidro comum têm uma estrutura molecular de desenho praticamente idêntica. A diferença está nos elementos químicos que compõem essa estrutura”, explica a artista. Também conhecido como vidro de cal-soda ou soda-cal, o vidro comum é feito de areia (sílica), soda (óxido de sódio), cal (óxido de cálcio) e óxido de alumínio. Já na composição do vidro cristal entram apenas a sílica e o óxido do chumbo, substância que dá mais brilho e maior peso ao produto.

 

Go knit yourself (Tricote você mesmo), trabalho de 2015, produzido com cristal de chumbo e agulhas de tricô de verdade 

 

Dentro do forno, o vidro cristal é aquecido e se funde a uma temperatura de  aproximadamente 830o C, derretendo dentro do molde. “Depois de o molde ter arrefecido, o material em seu interior é  removido, dando origem à peça acabada”, explica Milne. Para a escultura, o vidro é um material difícil de ser trabalhado, e demanda muita técnica, destreza manual e paciência. “É um material que quebra com facilidade, requer ferramentas especiais, diamantadas”, observa. “O vidro fundido tem uma consistência de mel. Portanto, não tem nenhuma predisposição para ser tricotado, nem para ser modelado em qualquer outra forma muito complexa. Por isso, tive que criar um método para ‘enganar’ essa característica do material, criando moldes com muitas aberturas para saída de ar e mantendo-os em temperaturas elevadas por vários dias”.

 

Milne em seu atelier. Segundo a artista, o vidro é um material difícil de ser trabalhado, que demanda técnica, destreza manual e, sobretudo, paciência 

 

Além de malhas propriamente ditas, as obras de Milne transformam-se em esculturas de formas inusitadas, que em alguns casos envolvem as próprias mãos manipulando as agulhas de tricô e, em outros, convertem-se em vasos e potes “tricotados” no vidro. “Quis mesmo dar um nó na cabeça das pessoas, deixá-las intrigadas, imaginando como aquilo teria sido feito. Ou seja, como seria possível tricotar com linhas de vidro”, comenta Milne. “Porque quando um material tem um ponto de fusão de mais de 1400o C, a ideia de trabalhar fisicamente com ele usando agulhas soa bastante improvável”, brinca a artista.