Sopro Criativo

Sopro Criativo

Capa: Sopro Criativo

Para um sem-número de artistas, a inspiração vem da natureza. Diferentemente da maioria deles, porém, a dupla vidreira à frente do estúdiocaliforniano Cohn-Stone não precisou de cenários exuberantes, com belas montanhas, praias paradisíacas, céus estrelados ou campos floridos como ponto de partida. A criação em vidro soprado que se expressa pelas mãos do casal Michael Cohn Molly Stone tem origem mais simples, mais corriqueira, e, por isso mesmo, menos óbvia.

 

A proposta é converter legumes, frutas, flores e folhas em pura arte vidreira, de cores vivas, tamanhos variados e formas precisas. As peças são um retrato da simplicidade que reside nos detalhes, um recorte do belo dentro de um universo natural. “Como os ciclos da natureza, o trabalho de arte em vidro emerge de forma orgânica, com temporadas para criação, crescimento, produção e colheita”, compara Molly, para quem o processo criativo igualmente flui de forma natural. “As peças surgem de uma semente, uma ideia inspirada pela natureza, para então amadurecer em obras que representam essa fonte de inspiração.”

 

Pioneiros em técnicas especiais para moldar o vidro a quente, o casal de artistas trabalha lado a lado há mais de trinta anos, quando descobriram juntos, conforme exploravam diferentes ferramentas, a paixão comum pela natureza, pelo processo criativo, pela arte e pelo vidro. “Tivemos o primeiro contato com o artesanato vidreiro ainda na faculdade, nos conhecemos e nos aproximamos a partir desse interesse pelo vidro que compartilhávamos”, conta Cohn“A decisão de trabalhar com vidro foi motivada pelo fascínio pelo material, pelas direções inusitadas que ele nos apontava conforme nos aprofundávamos em suas técnicas de manipulação.” Dessas experimentações surgiu a tendência pela interação entre a obra do estúdio e aquela que a natureza produz.

 

Situado entre os mais produtivos e premiados estúdios de arte vidreira dos Estados Unidos, o Cohn-Stone conquistou fama internacional, com peças exclusivas expostas em jardins, museus e galerias de todo o mundo, do Canadá à AustráliaJapão e inúmeros países da Europa e da América do Sul. Resultado do sopro e manipulação do vidro em ponto de fusão, submetido a temperaturas de até 1.800º C, cada peça é produzida de forma única e artesanal. O ateliê onde a magia acontece ocupa um espaço de 600 m² localizado na cidade de Richmond, na baía de San Francisco. Tudo ali, incluindo os fornos e demais equipamentos utilizados, foi projetado e construído por Cohn, que, além de fazer questão de por a mão na massa diariamente, é responsável pela supervisão de todas as operações do estúdio, as quentes e as frias. “Nós trabalhamos com uma média de três assistentes, coordenados por mim ou por Molly, e sopramos o vidro em equipe. A atmosfera de criação é contagiante e faz com que qualquer ideia se torne possível”, diz o artista.

 

Dança fluida

 

O primeiro passo é dado por um dos assistentes, responsável por formar uma pequena bolha de vidro leitoso branco, que é então gradualmente arrefecida. O vidro transparente é misturado a essa bolha e colorido com camadas de esmalte. O material é então soprado para se expandir um pouco mais. A bolha decorada é encerrada em uma massa maior de vidro, soprada e moldada, para então assumir sua forma final. “Em determinado ponto do processo as peças são transferidas do maçarico com haste oca para uma ferramenta que, anexada a elas na parte superior, possibilita o trabalho de moldar o vidro”, explica o artista.

 

O maior desafio, revela Cohn, está relacionado às altas temperaturas necessárias para a produção das peças. “É um trabalho que exige muito fisicamente, porque, quando está no maçarico, o peso do material fica concentrado na extremidade da ferramenta e não em nossas mãos. Essa escala é determinada pela nossa força, habilidade e um pouco também pelo tamanho do forno usado para reaquecer o vidro enquanto está sendo moldado”, explica o artesão. “Além disso, a peça acabada tem de ser encaixada em um forno de recozimento para que seja resfriada lentamente depois de moldada. O tempo, quando se trabalha com vidro, é um fator determinante.” Em média, o estúdio produz de três a quatro peças por dia, conta Cohn. “As mais complexas chegam a demandar quatro vezes mais tempo para serem produzidas.”

 

Do lado de fora, um extenso jardim serve de cenário para a exposição permanente das obras, harmonizando-as com a natureza em criativas instalações. Entre os destaques, coloridas abóboras de todos os tamanhos espalham-se pelo terreno, dando a sensação de terem nascido dali, em um cenário que parece ter saído de um País das Maravilhas de Alice. Molly conta que a linguagem visual da série Pumpkins foi inspirada pelo cintilar da luz do sol ao incidir sobre as folhas de uma floresta. “As cores e texturas, compostas de forma complementar, criam padrões exóticos e complexos no interior do vidro e interagem criativamente com os padrões criados pela natureza”, comenta a artista. “O jardim é uma fonte de inspiração sempre em transformação, e um showroom perfeito para a arte em vidro.”

 

Despojadamente posicionadas em meio às variadas espécies de plantas do jardim, centenas de flores, frutas, folhas, pássaros e esculturas abstratas de vidro complementam a beleza local. As peças temáticas do estúdio também ganharam espaço em inúmeros jardins botânicos dos Estados Unidos, compondo instalações especialmente projetadas para a configuração de cada jardim. Apaixonado pelo trabalho manual e pelo fogo na mesma proporção, Cohn diz não imaginar exercer outra atividade. “O fogo tem esse fascinante poder de destruir e criar ao mesmo tempo.” O trabalho com vidro a quente o atrai de forma especial por envolver os quatro elementos natureza: fogo, terra, água e ar. “É uma espécie de sucessão de passos coreográficos, uma dança fluida congelada em movimento”, poetiza o artista, a quem o vidro ainda surpreende a cada nova peça desenvolvida. “Física, alquimia e magia, cada um desempenhando sua função. Nisso se resume a arte vidreira para mim.”