Sinfonia de cores

Sinfonia de cores

Capa: Sinfonia de cores

Ao que consta, tudo começou há mais de um milênio, na rica Veneza de 982 da Era Cristã. Inspirados na receita do vidro oriental, artesãos italianos desenvolveram um material de alquimias incandescentes, que mais tarde ficou conhecido como vidro murano. Duro e frágil ao mesmo tempo, o murano tem encantado gerações com sua riqueza de transparências, opacidades e coloridos intensos. Transmitida de mestres a aprendizes ao longo dos séculos, a técnica chega aos dias de hoje com contornos modernos e surpreendentes, pelas mãos de artistas vidreiros do mundo todo, entre eles o americano David Patchen.
Com obras de destaque espalhadas por museus, galerias e coleções particulares, Patchen dedica-se à arte do vidro soprado há mais de duas décadas. Formado pela prestigiada Pilchuck Glass School, em Washington, o artista bebeu na fonte de uma respeitada lista de tutores, entre os quais o americano Dale Chihully, líder do movimento Glass Studio, corrente artística que elevou o status das artes vidreiras a novos patamares. “Tive o privilégio de aprender com os grandes mestres da arte vidreira, tanto dos Estados Unidos como da Itália”, comenta.  

 

Nascido em Nova York, Patchen tratou de buscar referências internacionais desde o início de sua carreira. Foi aprendiz de mestres italianos como Afro Celotto e Lino Tagliapietra, este nascido na própria cidade de Murano há mais de 80 anos e um dos responsáveis por difundir processos e técnicas especiais do vidro soprado nos Estados Unidos, onde lecionou por muitos anos, tendo desempenhado papel chave nessa interconexão entre artistas vidreiros de fora da Itália. “Aprimorei minha identidade artística direta e indiretamente influenciado por esse importante legado”, diz Patchen. Suas peças são marcadas por cores intensas e detalhes intricados, traços típicos da mais tradicional técnica italiana de arte em vidro.  

 

Passo a passo

 

Para Patchen, esculpir no vidro é um trabalho ao mesmo tempo desafiador e extremamente envolvente. “A flexibilidade do material permite criar formas muito variadas, mas também impõe altos níveis de dificuldade para execução de detalhes mais precisos”, observa. “Atualmente, tenho me dedicado à criação de peças que exploram intensamente padrões, cores e transparência”, diz o artista. Seu trabalho começa pela sobreposição de múltiplas camadas formadas por hastes coloridas de vidro, que em inglês recebem o nome de “canes”.  

 

Um meticuloso planejamento antecede cada peça a ser produzida. Antes de começar a esculpir o vidro pela técnica do sopro, Patchen dedica cerca de duas semanas projetando os bastões coloridos que irão compor os padrões e a paleta de cores a serem empregados na peça. “Camadas de vidro de diferentes cores são sobrepostas e fundidas entre si, para formar longos bastões coloridos”, descreve o artista. Esses bastões são obtidos esticando-se o vidro a uma temperatura em que o material assume uma consistência bastante maleável. “Alguns dias depois, os bastões já esfriados são cortados em fatias, chamadas de murrine, que irão determinar o padrão interno da peça. Essas fatias são então acomodadas em uma base de cerâmica, onde são novamente aquecidas para se fundirem em uma única camada, que é então acoplada à zarabatana, ferramenta empregada no processo de sopro que dará forma às esculturas.” (Mais detalhes e imagens sobre o processo produtivo estão em www.davidpatchen.com/studio)

Diversidade tem sido a palavra de ordem no processo criativo de Patchen. “Minhas obras refletem meu desejo de explorar múltiplas idéias ao mesmo tempo. Me interessa muito o contraste de cores, padrões complexos revelados por formas simples”, revela o artista, que busca referências não apenas em outras modalidades artísticas, mas também em formas naturais, e em especial nos ambientes marinhos. “Minha última série, que chamei de Bloom, expressa formas bastante orgânicas, que revelam algo inesperado ou precioso. Embora inspiradas na natureza, não representam uma imagem figurativa específica.”

 

Quanto aos principais desafios de seu trabalho, Patchen costuma dividi-los em técnicos e criativos. “Do ponto de vista da criação, é preciso reinventar formas, cores e padrões a cada nova série produzida”, diz. “Já sob o aspecto técnico, o principal é identificar o ponto de fusão ideal para trabalhar o material, uma vez que cores diferentes se comportam de maneiras distintas quando fundidas”, diz ele. “Preciso garantir que as cores se movam do jeito que eu idealizei enquanto a peça está sendo soprada, para que combinem corretamente”, explica o artista.

 

Por que o vidro? Para ele, a resposta é óbvia. “Nunca houve um momento em minha carreira em que tenha questionado sobre qual material trabalhar. Minha arte começa com o vidro. É um material maravilhoso, que oferece infinitas oportunidades criativas, por suas propriedades únicas.” Entre as características que mais o fascinam no vidro, ele destaca a versatilidade e a maleabilidade. “O vidro é um material vivo, que permite atingir virtualmente qualquer forma. Mesmo quando está frio ele se movimenta”, conclui o artista.