Construída no coração da aldeia de Mundaú, uma vila de pescadores localizada em uma extensa praia do Ceará, esta residência foi projetada com um objetivo central: oferecer amplas possibilidades de contato com a natureza tropical. Tendo como norte a valorização do cenário paradisíaco ao redor, a concepção do projeto não poderia ser diferente: vidro em abundância no andar superior, como recurso principal de integração.
Segundo relatam seus idealizadores, do escritório português Camarim Arquitectos, a residência de 400 metros quadrados, encomendada para servir como casa de veraneio, deveria ser ampla, arejada, iluminada e, de seu interior, oferecer a amplitude de uma das mais belas vistas do nordeste brasileiro: a costa cearense. “Os grandes panos de vidro conferem à casa uma vista desimpedida da natureza – as copas dos coqueiros, as dunas, o mar e os recifes, garantindo proteção contra o vento e a chuva”, dizem os autores da obra.
A solução convencional em arquitetura residencial – um volume compacto com circulação interior – deu lugar a uma galeria perimetral que envolve os três pisos da casa, e que corresponde a 50% da área total. “Criamos formas abertas para que a terra, o sol e a sombra, os coqueiros e outras árvores, as dunas e o mar cumprissem o papel de completar o desenho da casa, sugerindo uma experiência condensada e sensual da natureza, tanto a mais próxima quanto a mais distante”, conta o arquiteto Vasco Matias Correia, um dos responsáveis pelo projeto.
Três pisos, três paisagens
Para atingir tais propósitos, os arquitetos portugueses optaram por dividir a residência em três níveis totalmente distintos, tanto no uso como na proximidade com a natureza. “O pódio, ao nível da rua, fica sobranceiro ao terreno. Dois volumes que abrigam funções auxiliares deixam um vazio de permanência, com amplas vistas para o jardim, sob a sombra da casa em cima. O clima fresco é sublinhado pelo cimento polido do pavimento e do teto”, descreve Correia.
Os quartos são acessados pela galeria, envolvida numa pele de ripas de madeira que combina privacidade, vistas, ventilação e sombra, tratada como ornamento vivo. “Já a sala configura-se como uma casa nas árvores. A abertura do telhado cria vãos envidraçados de 3,20 metros de altura, diluindo os coqueiros, as dunas e o mar no interior da planta livre”, completa o arquiteto.
Aplicados exclusivamente no piso superior, os vidros escolhidos foram temperados de 12 milímetros de espessura, com 1 metro de largura por 3,3 metros de altura. “Essas foram as maiores dimensões que conseguimos encontrar em Fortaleza, centro urbano mais próximo ao local da obra, na Vidraçaria Marinho”, diz Correia.
Segundo o arquiteto, o desenho do último piso da casa partiu precisamente dessa questão: qual seria a maior peça de vidro disponível no mercado cearense. “A definição do módulo da planta e a da inclinação do telhado partiram das dimensões deste vidro.” Ao todo, foram empregados mais de 90 metros quadrados de vidro temperado, com filtro solar convencional, de 0.70. “Estudamos a projeção do telhado para que a sala se mantivesse à sombra durante grande parte do dia e, como evitamos insolação direta na sala, não foi preciso recorrer a filtros solares superiores.”
Para fixação dos panos de vidro foram usadas ferragens pivotantes centrais, que permitem o controle da ventilação de forma eficaz. “Como as ferragens são muito sutis, há uma sensação de pureza material: o espaço é composto apenas por madeira e vidro”, descreve o arquiteto. O vidro é fixado à estrutura de madeira por ferragens pontuais de aço cromado. “Sempre que iniciamos um novo projeto na Europa, em que costuma ser necessária a adoção de caixilharia dupla com corte térmico, pré-aros, aros e selagens entre vãos e paredes, lembramo-nos da simplicidade e da elegância do sistema que usamos na Casa Tropical. Estamos entusiasmados com a ideia de voltar a essa simplicidade em um segunda casa que estamos projetando no Brasil.”
A presença da paisagem na sala é favorecida pela geometria do telhado, que resulta da objetivo de trazer a natureza para o cotidiano da casa de forma avassaladora, garante o arquiteto. “O vidro permitiu esse contato surpreendente, sem perda de conforto”, afirma Correia. “O resultado é uma percepção ambígua, de estar no interior estando fora da casa e vice-versa. Uma sensação simultânea de proteção e de exposição.”
Afora os trabalhos especializados, como montagem dos vidros ou instalação das cozinhas, a construção foi realizada por pedreiros e carpinteiros locais e com auxílio de poucas ferramentas mecânicas. “É uma construção feita com as mãos”, ressalta o arquiteto. “A sobreposição de estruturas independentes, o telhado invertido em suspensão e a dimensão dos panos de vidro são características inéditas na tipologia residencial da região.”