Ouvido apurado

Ouvido apurado

Capa: Ouvido apurado

A evolução do vidro na construção civil tem permitido aplicações inovadoras do material em projetos com sofisticadas demandas tecnológicas, especialmente no que diz respeito à eficiência energética e ao desempenho acústico. Amplamente discutida em fóruns do setor, a NBR 15575, norma da ABNT que estabelece novos parâmetros de desempenho para os edifícios, evidenciou a importância de usar bons sistemas para garantir isolamento adequado. O arquiteto Marcos Holtz é um dos entusiastas desse novo padrão que pouco a pouco se estabelece para as edificações quanto à sua eficiência acústica. Sócio-diretor da consultoria Harmonia Acústica, na qual atua em parceria com o engenheiro Davi Akkerman há quinze anos, Holtz sempre buscou integrar soluções arquitetônicas e construtivas às necessidades de conforto acústico, um preciosismo que tem origem na apurada percepção auditiva desenvolvida por sua formação musical. Arquiteto com formação técnica em edifícios e mestre em acústica pela FAU USP, Holtz foi violista por cerca de dez anos e, neste diálogo com a reportagem de Vidro Impresso, empresta um pouco da sensibilidade auditiva que trouxe de suas performances musicais do passado e compartilha sua visão sobre o papel crucial dos vidros para melhorar a qualidade acústica dos projetos.

 

O que o levou a seguir a carreira de arquiteto e a se especializar na área de acústica? 

Desde criança sempre gostei de música. Toquei viola clássica dos 12 aos 22 anos e atualmente estudo piano. Pude perceber por meio da prática que os espaços mudavam completamente a experiência musical. Ao me formar arquiteto, abri com amigos um ateliê de desenho e ilustração. Assim conheci o Davi Akkerman, renomado consultor de acústica. Ele viu um dos meus cartazes em um café. Desde então temos uma parceria bem-sucedida há quase vinte anos.

 
Como avalia a importância do desempenho acústico nas edificações?

 

O conforto acústico, até três anos atrás, era tratado como artigo de luxo. A entrada em vigor da NBR 15575 virou esse jogo, e hoje grande parte dos nossos projetos são para habitação popular. Agora existem procedimentos e critérios acústicos para avaliar o desempenho com precisão. Logo após o término da obra, é possível medir e avaliar a conformidade do edifício com um teste que leva poucas horas.
De que forma o vidro é capaz de barrar o som? Quanto maior a espessura da chapa, maior sua capacidade de atenuação?
Em geral, sim. O vidro é um material denso e costuma ter bom desempenho acústico. Mesmo vidros mais singelos, como o de 4mm, já têm um desempenho de isolamento Rw=29dB, superior à maior parte dos caixilhos do mercado. Em geral, quanto mais espesso o vidro, melhor o desempenho acústico. Mas os vidros têm um ponto fraco, conhecido como frequência crítica. Então para utilizar vidros muitos pesados, deve-se fazer um cálculo para determinar esse valor e avaliar se não causará problemas no isolamento acústico.

 

Qual a configuração correta do sistema em que o vidro acústico deve ser instalado?

Já me deparei com projetos onde se utilizavam vidros laminados 20 mm com caixilharia convencional. É um grande desperdício de dinheiro. O desempenho do vidro deve acompanhar o do sistema de caixilhos. 

 

Que fatores devem ser analisados para a especificação dos vidros e sistemas acústicos ideais para cada projeto?

O ideal é realizar medições acústicas no local, de preferência em terço de oitava, que é uma medição mais precisa. O isolamento acústico de qualquer material não é igual em todas as bandas de frequência, então o ideal é conhecer o espectro sonoro a ser isolado, que é como um exame detalhado desse desempenho. Às vezes o tipo de som que se quer isolar coincide com o ponto mais fraco do vidro, e então se tem um grande problema.

 

Além do conforto acústico, quais as mais relevantes contribuições do vidro para a arquitetura moderna?

O vidro traz a luz do sol. Higieniza e ilumina os espaços. Tanto no modernismo quanto na arquitetura contemporânea o vidro tem contribuições inestimáveis. São bons exemplos a Catedral de Brasília, de Niemeyer, e o novo edifício residencial Vitra, de Daniel Libeskind, em São Paulo. Vidros tecnológicos permitem conciliar acústica, conforto térmico, iluminação e manutenção fácil.

 

Como avalia o papel do arquiteto no processo evolutivo do vidro como material construtivo? 

O arquiteto é o grande generalista da construção civil. É o encarregado de juntar as dezenas de especialidades que temos no projeto moderno em um todo harmônico que funcione. Houve um tempo em que arquitetos só se preocupavam com a parte estética. Esse profissional é hoje obsoleto. O arquiteto moderno tem que ter conhecimentos básicos de todas as especialidades. Esta visão panorâmica faz do arquiteto o profissional mais habilitado a propor inovações.

 

De que forma projetos mais arrojados estimulam o avanço tecnológico do vidro?

De ideias são feitas as inovações. Quando Niemeyer projetou a Catedral de Brasília não existia o sistema de caixilhos necessário para aquela proposta. Foi necessário inventar uma solução.

 

Poderia citar alguns exemplos bem sucedidos do uso do vidro acústico? 

Além dos já citados, a Casa da Música, de Rem Koolhas e o auditório Nicolo Paganini, de Renzo Piano, são excelentes exemplos da aplicação do vidro em concert halls.

 
O que apontam as mais recentes pesquisas no campo dos vidros e sistemas acústicos para a construção civil?

Em sistemas acústicos, o vidro teve grande evolução nos laminados. O PVB (polivinilbutiral) se tornou o principal vetor de desenvolvimento, corrigindo a queda de isolamento da frequência crítica.

 
Quais os momentos marcantes para o avanço do vidro ao longo da história? 

Entre o período românico e o gótico houve uma importante revolução arquitetônica, que permitiu abrir grandes aberturas nas pesadas paredes de pedra. Surgiram assim as magníficas catedrais góticas. A Sainte Chapelle, em Paris, é um dos exemplos mais espetaculares desse momento. A partir daí houve um crescimento contínuo do uso do vidro, com obras como o palácio de Cristal de Londres, em 1851, e a Casa Farnsworth, de Mies Van der Rohe, exatamente um século depois. O próprio movimento moderno é fortemente vinculado ao uso do vidro.

 

Como avalia o papel do vidro na arquitetura contemporânea?

Vejo vidros mais tecnológicos e coloridos. Vidros em panos grandes, curvos e com formatos impensáveis estão presentes em todos os grandes projetos. Os pontos do bondinho de Insbruck são emblemáticos nesse aspecto.

 

Quais podem ser consideradas as mais inovadoras tecnologias hoje disponíveis no campo da acústica?

Em minha opinião, os PVBs acústicos multicamada e os caixilhos de vidro estrutural.

 
Quais os principais parâmetros estabelecidos pela norma de desempenho NBR 15575? 

Quanto às fachadas, existe um desempenho acústico mínimo a ser atendido. Esse desempenho depende das condições acústicas do entorno e variam de D2m,nT,w=20 a 30dB.

 

De que forma os vidros podem contribuir para atender as exigências da norma?

Os vidros mais simples já dão conta de atender a maioria dos casos da NBR 15575. Nosso maior problema é conseguir caixilhos que acompanhem o isolamento acústico do vidro.

 

Acredita que as empresas do ramo de esquadrias, caixilhos e vidros estão aptas a fornecer produtos que deem conta dessas exigências? 

Não tenho dúvidas disso. Há uma grande movimentação no setor, em busca de soluções baratas e eficientes. Um fabricante me contou que conseguiu um ganho de 4dB no isolamento somente trocando o material de uma gaxeta de borracha.

 

Como avalia a qualidade dos caixilhos empregados nas obras atuais quanto à capacidade de isolamento acústico?

Se o caixilho é ruim, de nada adianta usar o melhor tipo de vidro. Houve por muito tempo no Brasil uma engenharia que só buscava redução de custos. Estamos hoje pagando o preço desta tendência, que reduziu sensivelmente a massa dos perfis. Mas há pelo menos seis anos essa curva se inverteu e estamos caminhando na direção certa, especialmente devido aos esforços da Afeal.

 

Que tipos de componentes e acessórios podem contribuir para um melhor desempenho acústico do conjunto formado por vidros e esquadrias?

 

Gaxetas de vedação e ferragens adequadas são essenciais. Hoje o maior problema é a falta de estanqueidade dos caixilhos. Em segundo lugar, perfis mais robustos. A partir daí começa a busca por vidros mais isolantes.