Menos concreto, mais vidro
Arquitetos amparam-se no aperfeiçoamento tecnológico do material para conceber fachadas cada vez mais arrojadas
Na segunda parte da série “aplicações externas”, acompanhe uma seleção de projetos em que os vidros são as grandes estrelas da fachada
Múltiplos diamantes - Oxford Street Façade | Londres, Inglaterra
Contratados para dar nova vida à fachada de um edifício dos anos 1960 na famosa Oxford Street, em Londres, os arquitetos da Future Systems (atualmente Amanda Levete Architects) conceberam uma inovadora superfície de vidro multifacetada, capaz de produzir múltiplos reflexos dos arredores. Além do belíssimo efeito visual promovido pelos elementos em forma de diamante, a nova fachada provê amplas vistas da avenida aos escritórios e espaços comerciais abrigados pelo edifício. A ideia dos arquitetos foi remover completamente os tijolos e vidros convencionais que compunham o projeto original, substituindo-os por uma superfície vibrante, que repete um padrão de peças envidraçadas para criar uma linguagem arquitetônica com ritmo e escala. A engenharia estrutural da fachada ficou a cargo da Arup.
Até pouco tempo, eram restritas as opções encontradas pelo arquiteto que desejasse projetar fachadas 100% envidraçadas, capazes de conciliar estética e demandas como ventilação, conforto térmico, segurança, sombreamento, controle de luminosidade e grau de transparência. Hoje, a realidade é bem diferente. O aperfeiçoamento tecnológico da indústria vidreira e sua ampla oferta de produtos trouxeram mais liberdade aos projetistas, mais desafios aos especificadores e a responsabilidade de tornar os edifícios mais eficientes do ponto de vista energético.
Como resultado, multiplicam-se projetos de fachadas cada vez mais complexos e elaborados. “Os novos vidros têm permitido romper conceitos convencionais, ao propiciar a interação total entre o interno e externo, além de ampla flexibilidade arquitetônica”, afirma o arquiteto Antônio Caramelo, do escritório baiano Caramelo Arquitetura. “O edifício deve se ajustar ao seu contexto, sem bloquear a oxigenação espacial, mas sim criando espaços adequados, tecnologicamente mais confortáveis e visualmente mais inclusivos”, avalia o arquiteto. “O que se busca com o vidro é uma desmaterialização lúdica dos projetos, com aprofundamento do campo visual e, ao mesmo tempo domínio do calor, da forma, da luz e da cor predominante no entorno. Cada dia mais a tendência será less is more. Menos massa, mais vidro.”
Pele de vidro, structural glazing e, mais recentemente, os módulos unitizados e a fachada suspensa expressam a evolução tecnológica dos fechamentos. As origens dos sistemas modernos podem ser rastreadas até meados dos anos 1850, na Europa, e até hoje seus recursos estéticos acompanham a evolução da arquitetura. “Quando os arquitetos desejam a continuidade do vidro, a vedação de silicone estrutural é a melhor alternativa, especialmente se combinada com painéis montados em fábrica”, diz o consultor de fachadas da Arup, Frederico Fontana. “Se a intenção visual da fachada é ainda mais transparência, então o vidro estrutural ou fixação por botões são as opções mais indicadas.”
Rebeca Andrade, especificadora técnica e arquiteta da PKO, aponta os vidros laminados como os mais indicados para grandes fachadas. “Ou, ainda, os insulados laminados, quando se deseja obter maior isolamento térmico e acústico. Em ambos os casos, em um clima como o do Brasil, torna-se indispensável o uso do vidro de proteção solar para garantir ambientes mais frescos e com luminosidade adequada.”
Reflexos animados - Aula Medica | Estocolmo, Suécia
O revestimento 100% envidraçado, formado por 5,7 mil painéis triangulares de vidros serigrafados, é apenas um dos diferenciais do auditório universitário Aula Medica, assinado pelos arquitetos suecos do Wingårdhs. O formato inusitado da edificação, que se contorce e se inclina em direção à rua subjacente, promove reflexos dançantes no piso, tanto do lado de dentro como de fora. A fachada é integralmente forrada por peças de vidro plano, que compõem um padrão geométrico multicolorido. A variação de painéis atende demandas de isolamento, transparência e sombreamento, sem comprometer o caráter uniforme do fechamento. A superfície envidraçada soma mais de 6 mil m². Executada pela empresa Fenestra Wieden, a fachada combina vidros translúcidos incolores e laranja com vidros opacos nas cores branco e dourado.
Reflexão e simetria - V House | Maastrich, Holanda
Inaugurada no início no ano passado, a V House ostenta uma fachada residencial bastante peculiar. O objetivo dos holandeses do Wiel Arets Architects foi romper com o padrão arquitetônico local por meio do vidro e da assimetria. Espremida entre edificações históricas, a casa chama a atenção pelo efeito visual que se alterna entre transparente e refletivo, conforme o grau de incidência luminosa sobre as grandes folhas de vidro que compõem toda a extensão da fachada, instaladas em esquadrias de alumínio de alto desempenho, para garantir proteção contra as quedas bruscas de temperatura a que a região costuma ser submetida. A concepção da fachada é baseada nos desenhos assimétricos das folhas de vidro, de modo que a borda do edifício se inclina em direção ao céu na altura da cobertura. Os vidros receberam revestimento refletivo, para garantir aos moradores alguma privacidade, auxiliado por finas persianas instaladas internamente. No andar térreo, duas grandes portas de correr de vidro foram instaladas de uma extremidade a outra, constituindo a entrada principal da casa.
Presença marcante - Grangegorman Residence | Dublin, Irlanda
Rodeada por projetos arquitetônicos convencionais, esta casa concebida pelos irlandeses da Odos Architects exibe em sua fachada uma linguagem alternativa à de suas tradicionais vizinhas que caracterizam o centro de Dublin. Composta por placas dinâmicas e parcialmente móveis, a fachada é definida por linhas estruturais horizontais, que ajudam a identificar as funções dos espaços por trás dela. No andar superior, os arquitetos instalaram um terraço externo frontal, que aumenta a profundidade física e visual dos planos abertos que formam o living. Essa característica é enfatizada pelas aberturas envidraçadas de cima a baixo, fixas sem elementos estruturais aparentes. Uma tela externa ao deck, composta por aletas de alumínio verticais, combina com os painéis de alumínio anodizado das seções fixas e aberturas abaixo. O espaçamento irregular entre as aletas confere uma aparência semi-transparente à tela. As unidades de vidros duplos foram fornecidas pela Carey Glass.
Camadas onduladas - Mint Museum of Toys | Cingapura
Um mergulho nostálgico no mundo de brinquedos que remontam a inúmeras épocas. Essa é a proposta do Museu de Brinquedos Mint, em Cingapura. Para fazer jus à lúdica experiência proposta do espaço, a equipe do premiado escritório SCDA Architects deu vida a uma fachada divertida, que incorpora 26 painéis de vidros posicionados em camadas, com cortes ondulados nas bordas. Fixadas em placas de aço com silicone estrutural, cada uma das chapas de vidro float é iluminada por um recurso pioneiro no mundo, constituído por cabos de fibra óptica instalados ao longo das bordas traseiras, no interior do edifício.
Tecido de vidro - Jing Mian Xin Cheng | Pequim, China
Inspirada nas delicadas dobras que caracterizam as peças do estilista japonês Issey Miyake, a premiada fachada-cortina do edifício de uso misto Jing Mian Xin Cheng foi concebida com o objetivo de proporcionar uma profunda experiência visual para quem passa pela movimentado centro urbano onde foi erguida. A textura e o movimento produzidos pelas inclinações das folhas de vidro, instaladas em estruturas de alumínio, simulam um tecido plissado, segundo descreve seu criador, o arquiteto chinês Phi Wenhui Lu, do Spark Architects. No interior, essas inclinações criam uma espécie de microvaranda para os inquilinos. O sistema empregado é o ‘stick’, no qual os quadros com os vidros são fixados na coluna e sustentados por travessa pelo lado externo. Temperados com padrões serigráficos, os vidros, insulados e laminados, foram fornecidos pela CSG.
Cromoterapia para crianças - Centro Infantil Municipal El Chaparral | Granada, Espanha
Dinâmica, alegre e colorida. Assim se define a fachada do Centro Infantil Municipal El Chaparral, obra assinada pelo arquiteto espanhol Alejandro Muñoz de Miranda. O edifício foi projetado como uma série de compartimentos versáteis, que se comprimem e se expandem dependendo do uso ao qual são destinados. Atuando como complemento estético e funcional a esse jogo de volumes variáveis, “rachaduras” retangulares de diferentes tamanhos, fechadas com vidros coloridos, foram estrategicamente posicionadas para garantir espaços internos abertos e iluminados. As “fissuras” de luz, como as denomina o arquiteto, são capazes de controlar as cores da iluminação que incide nos dinâmicos corredores internos, formando um arco-íris em seus pisos e paredes. Já nas salas de aula, a escolha recaiu sobre vidros incolores. As vívidas cores dos vidros contrastam com o branco das superfícies de concreto, conferindo um belo efeito visual à fachada do edifício. As chapas foram fornecidas pela Vitro Cristalglass, filial espanhola da empresa Vitro. As claraboias receberam vidros das linhas Templex e Multipact, que oferecem uma ampla gama de cores. Já nas fachadas, predominam os laminados com PVB da linha Multipact, projetada para suportar impactos e cargas mais pesadas, evitando ruptura em casos de vandalismo.
Luz de conhecimento - Spertus Institute | Chicago, EUA
O Centro de Estudos Judaicos exibe um dos mais belos efeitos arquitetônicos já produzidos em uma fachada. O edifício ostenta múltiplas faces de vidro em ângulos variados, que assumem o aspecto de um grande diamante lapidado. Segundo os autores do projeto, do Krueck & Sexton Architects, o fechamento facetado e suas superfícies dobradas são uma expressão da luz, não apenas no sentido metafórico como também na prática. Inspirada na expressão-símbolo do Instituto, “Haja a luz”, a fachada escultural representa a iluminação educacional e religiosa alcançada por meio do estudo e do conhecimento. Fixados em um sistema customizado constituído por caixilhos de alumínio em Y, os vidros foram fornecidos pela americana Viracon. Insuladas, laminadas, serigrafadas e com propriedades de controle solar, As 726 chapas foram fabricadas em 556 formatos diferentes.