Lições de Sustentabilidade

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Capa: Lições de Sustentabilidade

Sempre citado entre os mais reconhecidos especialistas do Brasil em sustentabilidade arquitetônica e eficiência energética de edifícações, o engenheiro Fernando Simon Westphal tem sido uma voz importante em debates envolvendo a NBR 15575, norma da ABNT que passa a vigorar a partir de julho e estabelece parâmetros para o desempenho termo acústico de edifícios. Professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), é também sócio fundador da ENE Consultores, empresa que presta serviços nas áreas de eficiência energética, conforto térmico e construção sustentável. O percurso que conduziu o engenheiro a se aprofundar no segmento da construção sustentável foi pavimentado por ricas experiências, que lançaram as bases para a construção de um sólido currículo em seu ramo de especialização. Iniciada ainda na faculdade, quando foi bolsista num laboratório de eficiência energética, a trajetória profissional de Westphal conta ainda com um doutorado na área, passagem por uma empresa de consultoria em certificação LEED, na qual atuou em mais de 50 projetos e simulações energéticas dos primeiros grandes edifícios de escritórios certificados do País, como o Corporate Towers, no Rio de Janeiro, e o Eco Berrini, em São Paulo. Em entrevista a Vidro Impresso, o especialista revela uma visão pragmática em relação às reais repercussões e impactos da nova norma sobre o cenário da construção civil no Brasil e destaca o papel do vidro para garantir às edificações os cada vez mais valorizados selos verdes.

 

– Qual a trajetória que o levou a se especializar em eficiência energética de edificações?

 

Iniciei minha atividade na área como bolsista de iniciação científica num laboratório de eficiência energética em 1996, enquanto cursava a graduação em engenharia civil na UFSC. Depois de formado fiz o mestrado e o doutorado na mesma área. Em 2007 montei minha primeira empresa de consultoria. Naquele mesmo ano mudei-me para São Paulo para trabalhar em outra empresa de consultoria em certificação LEED®. Até 2009 já tinha atuado em mais de 50 projetos de edificações em São Paulo e Rio de Janeiro. Executei a simulação energética dos primeiros grandes edifícios de escritório certificados no País e outros projetos de destaque, como o Ventura Corporate Towers, no Rio de Janeiro, o Eldorado Business Tower, o Edifício Jatobá, o Eco-Berrini, o WTorre Nações Unidas, a Torre JK adquirida pelo Santander, o McDonald´s Bertioga, todos em São Paulo. Em 2009 sai da empresa e fundei a ENE Consultores com outros dois sócios, atuando com consultoria em eficiência energética, conforto térmico e construção sustentável.

 

– Como avalia os rumos que tem tomado a arquitetura corporativa no Brasil? Qual tem sido o papel do vidro nesse contexto?

 

A competitividade existente na área dos edifícios corporativos é algo que me surpreendeu quando entrei nesse mercado. Como em todo o negócio, as estratégias e alternativas focam na obtenção de maior valor agregado ao produto final – o edifício –, maior velocidade nas vendas e maior quantidade de unidades vendidas. Edifícios com conceitos de sustentabilidade saem na frente e a certificação é uma forma de qualificar, por meio de uma entidade isenta, as estratégias adotadas em projeto e construção. Nessa busca por eficiência e velocidade na execução das obras, as fachadas de vidro são uma solução tecnicamente viável e muito atraente. Elas garantem principalmente maior contato visual para o ambiente externo, maior velocidade na execução da obra, custo acessível e facilidade de manutenção. Constatei, depois de muito estudo e muitos cálculos por simulação computacional, que não estamos cometendo nenhum crime ao construir um prédio revestido de vidro em um clima tropical. Isso porque estamos utilizando vidros de controle solar de excelente desempenho térmico, com baixíssimos valores de Fator Solar, ou seja, aquela parcela da radiação solar que o vidro deixa passar na forma de calor. Certamente, se fôssemos construir esses prédios com um vidro simplesmente verde ou fumê, sem a metalização de controle solar, o resultado seria péssimo.

 

– Quais podem ser considerados os edifícios com melhor desempenho energético e termo acústico no Brasil?

Um dos prédios que se destaca nesse aspecto e em que eu tenho orgulho de ter trabalhado é o Eco-Berrini, em São Paulo. Nesse prédio, de 32 andares, foi adotada uma solução de vidro laminado de 12mm, com 37% de Fator Solar, ou seja, apenas 37% da radiação solar atravessa o vidro na forma de calor. Durante o projeto houve uma intensa discussão sobre a necessidade de utilização de vidro insulado ou não. Outros consultores defendiam o uso do insulado para melhor desempenho térmico e acústico, e também permitiriam a colocação de persiana entre vidros. Demonstramos por meio de simulação computacional que o vidro insulado que estava sendo proposto, com Fator Solar próximo do vidro laminado escolhido previamente, não traria redução no consumo de energia para condicionamento de ar. Verifiquei que, em São Paulo, em 70% das horas do dia a temperatura do ar fica abaixo de 24°C. Essa é a temperatura de conforto e ajuste do ar-condicionado e isso quer dizer que se o clima externo é ameno na maior parte do ano, então a fachada de vidro auxilia na dissipação de calor gerado internamento pelas pessoas e iluminação do edifício. O vidro insulado naquele caso bloquearia essa dissipação de calor, e o vidro laminado foi a solução mais viável.

 

– Qual a sua avaliação sobre a importância do vidro no desempenho energético de edificações?

O vidro contribui para o melhor desempenho energético da edificação à medida que filtra a radiação solar de acordo com a necessidade do projeto, considerando o balanço de luz e calor ideal.

Um vidro escuro ou refletivo pode barrar o calor, mas também diminuir o aproveitamento da luz natural. Um vidro muito claro poderia deixar o ambiente interno muito quente. Um vidro de controle solar pode permitir boa penetração de luz com redução do ganho de calor. Isso é fantástico.

 

– A NBR 15575 institucionaliza exigências que prometem revolucionar o setor da construção civil no Brasil. Quais serão as principais mudanças e seus impactos mais significativos sobre os diversos setores ligados à construção?

 

A norma de desempenho promete revolucionar, mas não vai conseguir. Em minha opinião, as exigências da norma são insignificantes e tratam apenas de regularizar o que já se pratica no país.  Discutimos isso recentemente em evento paralelo à FEICON. Perdemos uma grande oportunidade de turbinar o desempenho térmico, acústico e lumínico das nossas edificações. A norma ficou muito aquém do que podemos fazer em termos de desempenho. Como resultado final, depois de mais de uma década de trabalho e discussões, temos uma norma fraca. Não teremos grandes mudanças nos setores
da construção civil.

 

 Em relação ao setor vidreiro e ao de esquadrias, quais as principais medidas que as empresas devem tomar para se adaptar às novas exigências?

 

Nenhuma. O que construímos já atende a norma de desempenho.

 

– Como avalia a importância de esquadrias e caixilhos no desempenho térmico e acústico das edificações?

As esquadrias e caixilhos têm importância significativa no desempenho acústico das edificações. No Brasil, porém, a influência desses elementos no desempenho térmico é pequena, pois não temos grandes diferenças de temperatura entre o ar interno e o ambiente exterior.

 

– Com relação ao resto do mundo, como vê a evolução da sustentabilidade das edificações no Brasil? Como a norma pode contribuir nesse processo?

 

Ainda estamos engatinhando. Tomando a certificação LEED como exemplo, nos Estados Unidos são mais de 16 mil projetos certificados, enquanto no Brasil temos apenas 92 empreendimentos com o selo. Infelizmente a norma de desempenho não vai contribuir para mudar esse panorama.

 

– Como funciona a simulação computacional prevista pela norma para a concepção de um projeto envidraçado? Qual a sua importância para o mercado  de que forma ela pode medir a eficiência energética de um edifício?

O processo de simulação previsto em norma exige que o projeto seja avaliado para um dia de temperatura máxima e outro de temperatura mínima. O edifício atenderá a norma se o ambiente interno proporcionar temperatura inferior à máxima e superior à mínima. O procedimento é simplório, pois não considera o desempenho ao longo de um ano. O vidro nem é citado pela norma, e esse é um dos problemas. Se quisermos introduzir sistemas industrializados em construção leve, como drywall e steel-frame, teremos de fazer simulação para comprovar que o sistema é aplicável ao nosso clima. Essa falha é grave, pois dificulta a evolução tecnológica das nossas construções.

 

 O mercado nacional é carente de especialistas nesta área de desempenho energético de edificações?

A carência é enorme. Se houvesse mais especialistas no assunto, ou se os profissionais atuantes no mercado estivessem mais envolvidos nessas questões, nossa norma de desempenho teria dado um avanço significativo.

 

– Como garantir projetos alinhados e integração entre os diversos projetistas que atuam em um projeto?

Com modelos de certificação global, como o LEED, por exemplo. Para a obtenção da certificação, diversos créditos (pontos) se interrelacionam. Fica difícil desenvolver o projeto se não houver integração entre as disciplinas.

 

– No contexto atual, qual a importância de obter certificações como LEED?

 

A certificação LEED é a garantia de que o projeto alcançou padrões internacionais de eficiência, desempenho e uso racional dos recursos naturais. Uma empresa que aluga ou compra um prédio certificado LEED no Brasil tem a garantia de que esse prédio terá o mesmo nível de desempenho de um prédio certificado LEED nos Estados Unidos ou na China, por exemplo.

 

– O que levou à criação da ENE Consultores? Quando foi fundada e como define a atuação e especialidades da empresa?

A ENE Consultores foi fundada com o intuito de oferecer o serviço de pesquisa e desenvolvimento ao mercado da construção. Foi fundada em 2009 e tem como especialidade a simulação computacional de desempenho energético de edificações e a consultoria em construção sustentável com foco na certificação LEED.