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Arquitetura e Vidro

De marco político a ícone arquitetônico

Cúpula envidraçada, escada em espiral e cone de espelhos jogam luz sobre o passado turbulento do Reichstag, edifício sede do Parlamento Alemão

19/08/1952

A forma esférica do vidro é complementada por uma escada em espiral, no interior do domo, pela qual os visitantes podem subir e contemplar o horizonte de Berlim durante todo o trajeto

Alguns dos edifícios construídos nas duas últimas décadas acabaram por se tornar verdadeiros ícones de sustentabilidade, pelas inovadoras tecnologias que foram capazes de agregar para garantir eficiência energética e redução de impactos ambientais. Reconstruído no final da década de 1990, com base em projeto assinado pelo britânico Norman Foster, o antigo Parlamento Alemão, ou Reichstag, enquadra-se perfeitamente nessa categoria, tendo se tornado referência em edificação sustentável, entre outros fatores, por seus 3,6 mil m² de elementos fotovoltaicos instalados na cobertura do prédio, responsável por alimentar a rede in-house. 

 

“A complexidade da proposta arquitetônica viu-se ampliada pela necessidade de corrigir ambientalmente o edifício. Isso implicava desenhar um prédio energeticamente eficiente, com qualidade ambiental em seu interior, associado à autogeração de calor e energia e à redução de emissão de resíduos”

 

O projeto de Foster foi concebido a partir da iniciativa do governo de mudar o parlamento alemão de Bonn para Berlim, realojando-o no Reichstag, um dos mais visitados pontos turísticos da cidade. A tarefa consistia em repensar um plenário no interior do Reichstag – edifício inaugurado em 1894, incendiado em 1933, parcialmente destruído em 1945 e restaurado nos anos 60. “A complexidade da proposta arquitetônica viu-se ampliada pela necessidade de corrigir ambientalmente o edifício. Isso implicava desenhar um prédio energeticamente eficiente, com qualidade ambiental em seu interior, associado à autogeração de calor e energia e à redução de emissão de resíduos”, explica Foster.

 


Tendo um grande domo de vidro como elemento central, o projeto presenteou a capital alemã com um autêntico marco arquitetônico, em que o antigo e o novo convivem de forma integrada. “O vidro gera um acentuado contraste com a estrutura original de concreto e ajuda os visitantes a identificarem com clareza o que foi adicionado ao edifício pelo processo de renovação”, afirma o arquiteto. “Além disso, o material agrega um caráter conceitual de liberdade, de luminosidade e um senso de recomeço, conforme nossos olhos são conduzidos para fora do pesado e rígido design de pedra original.” 
Apesar de partir do edifício de origem, foi necessário intervir de forma radical para que a o arcabouço do antigo Reichstag viesse à luz. “A transparência e a acessibilidade pública foram as chaves da reconstrução interna do Reichstag. Hoje, um visitante comum, ao entrar pela parte oeste do edifício, pode visualizar a sessão do parlamento e ser visto pelos parlamentares”, comenta o arquiteto.

 


De formato esférico, justapondo-se às rígidas linhas da fachada, a nova cúpula de vidro foi o ponto de partida das obras internas e possibilitou abrir o edifício à luz natural e à paisagem. O recurso arquitetônico funciona como componente essencial nas estratégias de economia energética e iluminação natural, concebida como uma espécie de “lanterna”. “No núcleo do domo foi disposto um cone invertido de espelhos em ângulos, para refletir a luz do horizonte no interior do edifício”, explica Foster, acrescentando que uma proteção móvel acompanha a trajetória do sol e previne contra o superaquecimento. Atua também como importante componente do sistema de ventilação natural: o ar do interior do edifício sobe através dele pelo efeito chaminé. O cone extrai o ar quente nos níveis mais elevados e os ventiladores axiais e intercambiadores de calor reciclam a energia do ar liberado.
A forma esférica do vidro é complementada por uma escada em espiral, no interior do domo, pela qual os visitantes podem subir e contemplar o horizonte de Berlim durante todo o trajeto. “A cúpula também permite que a luz solar ilumine claramente o piso do parlamento, reforçando a conotação de transparência política que o projeto pretendia adotar.” 

 


A energia que aciona o sistema de ventilação, o escape de ar e os dispositivos de sombreamento da cúpula é gerada por painéis de células fotovoltaicas, dispostos na face sul da cobertura. Devido à oscilação do número de usuários do edifício, adotou-se também uma estratégia flexível de conservação da energia. Assim proporciona-se uma temperatura agradável, a partir da qual o aquecimento ou esfriamento ativo pode ser complementado. Esse sistema reduz os picos de calor em 30% em comparação com os métodos tradicionais.

 


Esta reforma proposta com base em critérios ambientais define novas marcas, às vezes não tão visíveis, mas nem por isso menos contundentes. São marcas inerentes ao desenho do edifício, que utiliza extensivamente a luz, a ventilação e a climatização natural, que é auto-gerador de energia e que minimiza os custos energéticos de sua operação e manutenção. Todas essas iniciativas juntas plasmam a ideia germinal do projeto: a de demonstrar a possibilidade de realizar “um edifício público totalmente sustentável, ambientalmente responsável e virtualmente livre de poluição”.

 

 

“Totalmente envidraçada, a cúpula possui aproximadamente 3mil m² de vidro laminado. 
Com isso, o prédio do parlamento alemão é contemplado com claridade e transparência abundantes, refletidas por 360 espelhos que auxiliam na entrada da luz solar e permitem que, mesmo no inverno, a luz artificial seja pouco utilizada, inclusive nos subsolos”

 

 

HISTÓRIA TURBULENTA


Inaugurado em 1882 pelo imperador Guilherme 1º, o prédio do Reichstag carrega as marcas de um passado agitado e sombrio. Foi nele que o imperador Guilherme 2º ridicularizou o Parlamento, chamando-o de uma “casa de macaco”. Foi também ali que, em 1914, o deputado social-democrata Karl Liebknecht, um dos primeiros representantes do Partido Social Democrata da Alemanha (SPD) a quebrar a disciplina partidária, votou contra os créditos de guerra. E foi ali que Philipp Scheidemann proclamou a primeira República alemã, em novembro de 1918.

 

Em 1933, o prédio se incendiou e em 1945 foi duramente bombardeado. O interior foi saqueado e a cúpula destruída.
Após a 2ª Guerra Mundial, próximo à fronteira da Alemanha Oriental, ficou abandonado,usado ocasionalmente por turistas interessados em espiar por sobre o Muro. 
Hoje, além de sede do sede do Parlamento alemão, o Reichstag é considerado, o mais eficiente prédio parlamentar do mundo. E é, ao mesmo tempo, um marco político que se converteu em símbolo arquitetônico de Berlim.

 

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