Estilhaços de vidro comum (float) da porta do térreo da própria casa levaram à morte um garoto de nove anos, depois de quase um mês na UTI. O fato aconteceu em fevereiro deste ano, no residencial Novo Oeste, em Três Lagoas (MS), inaugurado em dezembro de 2013.
O trágico acidente remete para a responsabilidade compartilhada entre construtoras e fornecedores de utilização e fabricação de materiais em conformidade com as normas técnicas da ABNT. E mais, aponta para a urgência de revisão da ABNT NBR 7199 – Projeto, execução e aplicações de vidros na Construção Civil, inalterada há 26 anos.
O impacto do acidente poderia ter sido menor, caso a porta contasse com vidro de segurança (laminados, temperados ou aramados), conforme manda a norma. “Entre alguns dos requisitos de aplicação, a NBR 7199 estabelece a utilização dos vidros de segurança em portas, divisórias e vitrines somente no pavimento térreo”, alerta Silvio Ricardo Bueno de Carvalho, gerente Técnico da Abravidro – Associação Brasileira de Distribuidores e Processadores de Vidros Planos.
A determinação, segundo ele, deveria ser a mesma para todos os pavimentos. E essa é uma das modificações previstas para o projeto de revisão da norma, que será realizada pela comissão de estudo da entidade.
“Falhas”da ABNT NBR 7199
O arquiteto Paulo Duarte, consultor de fachadas e vidros, concorda com a necessidade de atualização, mas aponta como uma das dificuldades a ausência de mudanças mais profundas.
“Nossas normas levam anos para ser atualizadas. O processo de revisão é complicadíssimo e, ao final, ainda mantêm algumas situações incorretas que deveriam ser corrigidas, mas não são”, destaca.
As “falhas” da ABNT NBR 7199 não estão restritas somente à questão do uso do vidro de segurança em portas. Falta à norma detalhar, por exemplo, a utilização do vidro float em portas.“Sua atualização deixará essa informação mais clara e objetiva”, indica Bueno.
Para tentar prevenir acidentes, a norma determina que quando um fechamento com chapas de vidro for executado, total ou parcialmente, e a presença do vidro não for perfeitamente visível, é preciso tomar como precaução a colocação de sinalização adequada.
O papel dos fabricantes
Em acidentes como este ou em qualquer caso, no qual o responsável pela construção da edificação seja acionado judicialmente, o fabricante do produto que causou o problema também enfrentará as questões legais.
Edson Fernandes, gerente Nacional do PSQ – Programa Setorial da Qualidade das Esquadrias de Alumínio – comenta que a instalação desse tipo de produto, à revelia da norma técnica, é criminosa. Baseia-se na argumentação da promotora pública Adriana Cerqueira de Souza, em palestra aos participantes do programa na AFEAL – Associação Nacional de Fabricantes de Esquadrias de Alumínio. “O fabricante poderá ser responsabilizado nas áreas cível e criminal”, referiu-se.
A promotora deixou claro que, se for provado que a empresa descumpriu a norma técnica intencionalmente, o sócio e/ou gerente responsável podem ser processados criminalmente por danos ou morte do consumidor. O Inciso IX do Artigo 7º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, diz que “constitui crime contra as relações de consumo, vender, ter em depósito para vender ou expor à venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria, em condições impróprias ao consumo”.
A pena é de detenção de dois a cinco anos, ou multa. Há vários casos que são objeto de jurisprudência no STJ – Superior Tribunal de Justiça. O STJ considerou que o não cumprimento de norma técnica pressupõe risco para a sociedade (delito de perigo abstrato).
“Quando o fabricante é denunciado pelo não cumprimento das normas, o procedimento é o inquérito civil para apuração do fato, envolvendo a investigação por meio de perícias e vistorias nas empresas. Constatado o problema, o promotor tenta junto ao fabricante a assinatura do TAC – Termo de Ajustamento de Conduta, que obriga a empresa a cumprir as normas técnicas e recolher os produtos disponíveis no mercado. Caso não o faça, pagará pesada multa diária”, recorda Fernandes.
Se o fabricante rejeitar o acordo, a promotoria entrará com uma ação coletiva (civil pública) e, neste caso, as consequências são mais graves, podendo envolver o ressarcimento dos danos individuais, a regularização da produção, o pagamento de indenização por danos morais coletivos e até mesmo o fechamento da empresa.
Fonte: Afeal