O mundo das artes funciona assim. Quanto mais original e inesperada for uma obra, mais impacto ela poderá ter. No universo da arte vidreira não é diferente, e as criações do jovem austríaco Thomas Medicus trazem à tona a magia do inusitado, por meio de uma nova forma de trabalhar o vidro como matéria-prima artística. O propósito do artista é, sobretudo, explorar efeitos de ilusão de ótica a partir de uma escultura móvel capaz de criar diferentes desenhos e imagens que se complementam, por meio da sobreposição visual de suas partes.
Intitulada ‘Emulsifier’, a obra é composta por cerca de 160 filetes de vidro float transparente, com 2×30 cm e espessura de 2 mm. Pintadas a mão uma a uma, as peças que compõem a escultura são mais do que tiras de vidro ilustradas. A partir de um jogo de composição que permite criar um movimento tridimensional para as pinturas, as placas de vidro não são apenas base para criação de uma imagem, mas de múltiplas imagens mutantes, que só ganham significado quando rotacionadas e observadas sob determinadas perspectivas. “A obra ganha vida quando gira em seu próprio eixo, e só faz sentido quando vista sob o ângulo correto”, explica o artista, de 25 anos.
Em um jogo de composição, sobreposição, perspectiva e movimento, a obra de Medicus assume características únicas, por meio de um encaixe perfeito e estratégico das tiras de vidro sobre uma base de madeira, que permite dissolver uma imagem na outra. Medicus explica que o padrão dos entalhes feitos na madeira é determinado por cálculos precisos e executados por meio de corte a laser. A técnica permite materializar esculturas amórficas e ao mesmo tempo capazes de reproduzir quatro imagens diferentes, cada uma expressa em uma das quatro faces da peça.
“Este acredito ser o grande diferencial da técnica: quatro imagens em uma mesma escultura. Girando as esculturas a um ângulo de 90 graus, as imagens se dissolvem pouco a pouco e desaparecem, porque estamos olhando exatamente para a face de metade dos filetes de vidro”, explica o escultor. “Ou seja, metade dos filetes parece desaparecer, e a terceira imagem também não pode ser vista, pois está posicionada exatamente atrás da primeira imagem. Assim, o que resta ao final do movimento de rotação é apenas uma imagem visível.”
Embora preciso em sua explicação, Medicus afirma que somente a experiência de contemplar a obra em movimento permite compreender de fato sua proposta. O vídeo que mostra este dinamismo das esculturas do artista pode ser visto no site oficial do artista (www.thomasmedicus.at).
Pássaro e peixe
Thomas Medicus interessou-se pelo vidro como base material de trabalho desde muito cedo. Embora tenha frequentado escolas de arte, considera-se um autodidata, para quem a transparência do vidro logo se mostrou um recurso artístico de imenso potencial. “Durante os anos em que frequentei a faculdade de artes plásticas, aprendi a trabalhar o vidro por meio de inúmeras técnicas e, depois de terminar o curso, decidi que a arte vidreira seria meu caminho”, conta o artista, que trabalha em um pequeno atelier em Innsbruck, no coração dos Alpes austríacos.
Com medidas de 30 x 30 x 30 cm, a primeira escultura de Medicus foi projetada por meio de programação digital e é inspirada em teorias do sociólogo alemão Max Weber. Já o título, conta o artista, faz alusão às propriedades dos emulsificantes de combinar materiais incompatíveis. “Do mesmo modo, minha escultura é uma emulsão de um pássaro voando, de um peixe nadando, de uma estrutura óssea e de uma máquina. Ou seja, ela funde elementos em essência bastante antagônicos.” A combinação de pássaro e peixe também não foi aleatória. “Os dois são símbolos de liberdade e representam conceitos como livre-arbítrio, subjetividade. Mas é claro que o tema é amplo, e minha ideia é deixar a obra aberta a interpretações”, conclui.