Berço de uma cultura marcada por múltiplas influências, pela diversidade linguística e por uma abundância de museus, edifícios históricos e arte, a Bélgica também se tem mostrado referência de uma arquitetura residencial moderna, simples e transparente, com design clean, elegante e sutil, caracterizado por linhas retas e pela economia de elementos e interferências visuais desnecessárias. Seguindo uma linguagem adepta da filosofia do “menos é mais”, o país tem sido palco de projetos que primam pelo uso inteligente, versátil e criativo do vidro em variadas aplicações, sobretudo em fachadas.
Exemplo recente dessa tendência despontou em Bruges, cidade medieval conhecida como a “Veneza do Norte” pelos abundantes canais que a cercam e atravessam, quando, há cerca um ano e meio, foram concluídos os acabamentos da Villa Roces. A residência ostenta configurações arquitetônicas únicas, entre as quais figura como elemento central uma bela caixa transparente, fechada com vidro em todas as faces. “Quando pensamos em fechamento de ambientes e envelopamento de fachadas, não há material comparável ao vidro. Especialmente quando o intuito é otimizar a luz natural e interagir com espaço ao redor, quando mais superfícies transparentes, melhor”, diz Benny Govaert, arquiteto responsável por comandar a equipe do Architectuurburo Govaert & Vanhoutte bvba, que assina o projeto.
Segundo descreve o arquiteto, a casa foi concebida de modo que se adaptasse, com o máximo de eficiência possível, a um terreno retangular de cerca de 70 m de cumprimento e 30 m de largura, situado nos arredores da floresta de Bruges. “Norteado pelas características do terreno, o conceito consistiu em erguer um muro, ou uma parede de madeira de 50 m de cumprimento e 4,2 m de altura, tangenciando toda a extensão da caixa de vidro que, com 6 m de largura, forma o volume principal”, diz ele.
O fato de a residência ter sido construída ao longo de um muro, afirma Govaert, justifica-se pela intenção de compensar a ausência de luz e, ao mesmo tempo, acentuar a presença da floresta e a verticalidade de suas árvores. Com 54 m de extensão, o muro funciona como um suporte, ou um pano de fundo para o volume transparente que se ergue em frente. “A parede foi posicionada de modo a se manter visível não somente do lado de fora, mas também de modo contínuo em todos os espaços internos”, observa o arquiteto.
Fluidez e minimalismo
Transparência, fluidez especial e horizontalidade são os principais predicados que definem a linguagem arquitetônica da Villa Roces. Com o amplo uso do vidro, linhas retas e bem definidas e muita clareza visual, a construção segue preceitos modernistas e minimalistas de forma primorosa. Acompanhando o conceito proposto para o design externo da residência, de estabelecer o fechamento do volume principal como uma caixa transparente, todo o espaço interno também foi preenchido por ambientes que se configuram como caixas, ou seja, como volumes claramente definidos, que incorporam os elementos estruturais da residência.
Quando observada do lado de fora, a caixa de vidro apresenta recuos em três de seus lados. O primeiro foi criado para dar acesso ao estacionamento no subsolo. O segundo, para abrir espaço para a piscina que margeia uma das faces da casa em um nível semi-subterrâneo. Estreita, reservada e com 15 m de cumprimento, é um dos elementos mais bonitos do projeto. “Aqui a ideia foi fazer da piscina uma área única e mista, que, ao mesmo tempo em que está situada do lado de fora, interage fortemente com o ambiente interno por meio de vidro colado a ela”, comenta Govaert. “Assim é possível nadar com a sensação de estar simultaneamente do lado de dentro e de fora da casa.” Já o terceiro recuo, diz o arquiteto, atua como área acesso, na parte de trás da casa, ao quarto principal e ao banheiro anexo a ele.
Do ponto de vista da planta, Govaert esclarece que o conceito dos planos é muito simples. No nível do jardim estão o hall de entrada, a cozinha, a sala de jantar e a lareira. “Uma extensa porta de vidro de correr foi instalada entre a sala e a cozinha, dividindo e integrando os dois ambientes de forma muito eficiente e esteticamente diferenciada”, observa. A seção formada pelos quartos das crianças situa-se um nível acima do quarto principal, que por sua vez fica um pouco acima do nível da sala de estar, esta com pé direito de um andar e meio.
Em frente à suíte máster há uma espécie de sala de estar secundária, cujo espaço dialoga com os demais níveis da casa. Uma rampa garante a conexão entre a sala de visitas e os quartos das crianças. “Manipulando todos esses níveis e medidas dos espaços, foi possível manter uma continuidade horizontal ao longo de toda a extensão da caixa envidraçada”, aponta o arquiteto. “Esse aspecto foi de fundamental importância para estabelecer o desejado contraste com a verticalidade das árvores, que marcam fortemente a paisagem ao redor.”
Tão altas quanto as próprias paredes e igualmente envidraçadas, as portas que dão acesso ao interior da residência confundem-se com o restante da fachada, tornando-se difíceis de serem identificadas quando fechadas. Para Govaert, um elemento que contribuiu de forma determinante para a leveza da fachada foi a estrutura de aço usada na construção. “Localizados acima das superfícies envidraçadas, os perfis de aço foram minimizados, contribuindo para maximizar a presença do vidro.” A opção de privacidade é garantida pelas persianas, instaladas de forma discreta junto aos vidros.
Segundo Govaert, mais de 920 m² de vidro foram usados em todo o projeto. Na fachada, a opção foi pelos duplos insulados Thermobel, que reduzem a perda de calor em até 50% em relação aos vidros comuns, com fator de isolamento entre 2,8 e 3,4 W/(m².K). O material foi instalado em perfis de corte térmico integrados e, nas portas e janelas, em esquadrias também de aço e com sofisticado sistema de isolamento térmico. A instalação ficou a cargo da Lootens Line.
Fornecido pela empresa Dochy Glas, presente no mercado belga há mais de cem anos, o vidro exerceu papel primordial no projeto, permitindo o aproveitamento máximo de luz solar, que penetra e flui entre os espaços de forma abundante. “Esse efeito era particularmente necessário em razão das altas árvores que circundam a residência e bloqueiam a passagem de luz em determinadas direções”, comenta. “Além disso, a forte ligação que se estabelece entre os ambientes externos e internos se deve à escolha dos vidros extra-clear. Tanto de fora para dentro quanto de dentro para fora, a visibilidade é plena, misturando, confundindo e diluindo as delimitações espaciais.”