Tradicionalmente associados à estética e amplitude na decoração dos ambientes, os espelhos são cada vez mais explorados por arquitetos e designers interessados nas inúmeras possibilidades artísticas e criativas que os efeitos refletivos conferem aos espaços. “Uso espelhos para dar continuidade e profundidade aos ambientes, para ampliá-los, neutralizar peças de mobiliário ou disfarçar imperfeições construtivas”, lista a arquiteta Karina Afonso. “Uma parede com espelhos de tamanhos e molduras diferentes cria uma decoração mais despojada“, afirma Karina. Além disso, os espelhos “dão um toque de sofisticação e leveza à decoração,” acrescenta o arquiteto Luis Sentinger.
A sensação de aperto em cômodos pequenos e escuros, como lavabos, pode ser minimizada com o recurso a espelhos. “No teto, eles dão a sensação de pé direito mais alto”, exemplifica Sentinger. “Pensando em sustentabilidade, espelhos colocados em lado oposto à janela colaboram com a iluminação do ambiente, economizando energia”, lembra Karina.
Chuva de prata
Mas, afinal, o que faz o espelho refletir imagens? O pesquisador do Instituto de Física da USP Claudio Furukawa explica que a refletividade do material vem de uma fina camada de prata ou outro metal aplicada no dorso do vidro. Essa é uma das razões por que bons espelhos custam caro.
Segundo os mais remotos registros, a primeira vez que o homem viu seu reflexo foi na água (o mitológico Narciso que o diga). Por volta do ano 3000 a.C. povos da atual região do Irã passaram a usar areia para polir metais e pedras, dando à sua superfície condições de refletir. “Mas esses espelhos refletiam apenas contornos e formas. As imagens não eram nítidas e o metal oxidava com facilidade”, conta o pesquisador.
A prata já era usada para refletir imagens na Roma antiga. Naquela época, porém, o espelho nada mais era que um disco convexo – estanho e bronze eram outros materiais usados. A qualidade da imagem refletida era sofrível e os espelhos eram grandes o bastante apenas para refletir um rosto, mas isso foi o melhor que se teve até a Idade Média.
O espelho como o conhecemos apareceu por volta do século 12 e se popularizou quatro séculos mais tarde, quando vidraceiros de Veneza passaram a aplicar uma amálgama de mercúrio e estanho sobre uma lâmina de vidro. “Os espelhos dessa época têm uma fina camada metálica na parte posterior do vidro. Assim, a imagem ficava nítida, e o metal não oxidava por estar protegido pelo vidro”, diz Furukawa.
O processo de fabricação foi aprimorado em 1835 pelo químico alemão Justus von Liebig – também imortalizado pela invenção do cubo de caldo de carne –, que substituiu a amálgama por prata derretida.
Na fabricação do espelho moderno, o vidro recebe várias camadas de diversas substâncias químicas, além de passar por tratamentos térmicos, lavagens e polimentos. Hoje, a camada refletiva de prata geralmente é aplicada na forma de nitrato, um composto líquido desse metal.
De Veneza a Versalhes
Capazes de imprimir sua marca aos mais variados ambientes, os chamados espelhos venezianos têm a moldura toda trabalhada no próprio vidro. Clássicos, atemporais, são considerados verdadeiras obras de arte. Quando surgiram, os espelhos venezianos eram mais valiosos que navios de guerra ou pinturas de gênios como o renascentista italiano Rafael (1483-1520).
A democratização do espelho começou em 1660, quando o rei da França Luís XIV (1638-1715), o Rei Sol, ordenou que um de seus ministros subornasse artesãos venezianos para obter seu segredo. O resultado pode ser conferido no Salão dos Espelhos do palácio de Versalhes.
Com mais de 74 metros de comprimento, o Salão dos Espelhos é a mais famosa obra-prima da arquitetura renascentista francesa. Criado por Jules Hardouin-Mansart e inaugurado em 1681, o espaço foi concebido para ser o mais espetacular aposento do Palácio de Versalhes, usado nas cerimônias importantes da corte.
O nome faz referência aos 375 espelhos que cobrem a parede do fundo do Salon. Opostos a 17 enormes janelas, eles refletem a luz do sol e as paisagens dos jardins de Versalhes. À noite, a iluminação de candelabros.
Na época em que foram fabricados, os espelhos de Versalhes eram vistos como uma maravilha da ciência e da arte. Mas simbolizaram também o descaso da monarquia absolutista francesa para com o povo. A fumaça liberada pelo mercúrio, usado na fabricação dos espelhos, envenenava os trabalhadores. Muitos morreram para produzir o luxo de Versalhes.
Nas obras de restauração do ambiente, todos os espelhos foram removidos. Os que não puderam ser restaurados foram substituídos por outros da mesma época, que estavam guardados nos porões do prédio do Senado francês. Durante os 36 meses de reformas, uma equipe de 40 profissionais se dedicou exclusivamente à restauração dos afrescos do Salão.