À beira do penhasco

À beira do penhasco

Capa: À beira do penhasco

A busca por uma arquitetura que anda na corda bamba e não tem medo de ser bela tem sido o mote a nortear o australiano Neil Durbach em sua trajetória profissional, marcada pela concepção de projetos residenciais de linguagem intrincada e por vezes lúdica, onde se encontra de tudo, menos o óbvio. Famoso no mundo por criações arquitetônicas que, mesmo quando simples e minimalistas, se impõem pela ousadia de suas propostas e soluções, Durbach ostenta em seu currículo um arsenal de residências premiadas, entre as quais a Holman House é provavelmente a mais famosa. “Tanto a concepção como a execução do projeto foram inesquecíveis”, lembra o arquiteto do escritório Durbach Block Jaggers, que comanda em parceria com dois outros sócios. “Dez anos depois de concluída, ainda olhamos para ela e dizemos: Uau, deu tudo certo!”, comenta ele. E acrescenta: “Esse grau de insegurança é o fio condutor de todos os nossos projetos, pois acreditamos que só assim é possível incorporar coisas novas ao processo criativo”. 

 

Construída à beira de um penhasco em Dover Heights, em Sydney, a residência parece estar prestes a se lançar sobre o Oceano Pacífico em um voo sem volta. O design imponente da edificação é fortemente marcado pela transparência, caráter determinante para transmitir a sensação de estar pairando sobre o oceano. Seria a locação perfeita para uma refilmagem do clássico Um corpo que cai (Vertigo), de Hitchcock, tamanha é a sensação de que a casa pode despencar a qualquer momento. O resultado é de encher os olhos, e a vista que se tem de todas as dependências é espetacular. Mas, segundo seu criador, erguer uma residência à beira de um precipício ofereceu desafios, que não foram poucos. “Foi uma verdadeira aventura para toda a equipe”, comenta Durbach. “Afinal, a proposta era construir uma casa que de fato se projetasse em direção ao mar, a uma altura de mais de 70 metros.”

 

Iniciado em 2004, o processo construtivo movimentou a pacata região dos arredores de Sydney, rodeada por construções pouco expressivas do ponto de vista arquitetônico, e atraiu a atenção de toda a população local. Redes de televisão sobrevoavam a casa constantemente para alertar sobre os perigos da erosão e checar se o pior não tinha acontecido. “Nem precisávamos ir até o local para checar o andamento da obra. Bastava ler o jornal local regularmente”, brinca Durbach. 
A ousadia de Durbach e sua equipe contrariou o pessimismo daqueles que consideravam inviável a execução da obra em um local tão inóspito do ponto de vista construtivo. Quando concluído, o projeto se mostrou um exemplar único de construção residencial. “Recebi arquitetos do mundo todo, vindos de países considerados referências da arquitetura, como Japão e Holanda, ansiosos por conhecer de perto o resultado do projeto”, lembra Durbach. Em pouco tempo se tornou um ícone da arquitetura contemporânea, figurando nas capas de publicações em âmbito mundial e abocanhando alguns dos mais expressivos prêmios do setor. 

 

Monumento ao oceano

 

Para rabiscar os primeiros traços do que viria a se tornar a bela Holman House, Neil Durbach foi buscar inspiração em um dos maiores artistas da era moderna. A obra “O banhista”, de Pablo Picasso, foi o ponto de partida para a concepção do projeto, basicamente composto por uma complexa série de espaços internos fluidos e orgânicos, orientados em função de um sinuoso perímetro que se curva, se dobra e se expande, sempre em resposta ao sol, à paisagem e à vista. Para todos eles, a opção foi pelo fechamento com amplas folhas de vidro extra clear da Pilkington que, instalados do piso ao teto, são responsáveis por uma interação direta e intensa com a paisagem. “Ao invés de ser passiva em relação à paisagem, a casa se projeta de forma agressiva e contundente em direção a ela. É corajosa”, comenta Harry Margalit, autor de uma monografia sobre o trabalho de Durbach.

 

O vidro também atua como elemento estético quando em composição e contraste com outros materiais, como o concreto e, sobretudo, as pedras naturais que formam a parede do piso inferior, criando uma interação de superfícies, combinando suavidade e aspereza. “Aqui o objetivo foi estabelecer uma relação quase simbiótica com a geologia local, fazendo da parede uma extensão da superfície rochosa do penhasco abaixo. Essa superfície contínua se estende para formar o terraço”, diz o arquiteto. Segundo ele, todo o projeto foi concebido para servir o piso superior, que se ergue como um monumento, uma espécie de ode ao mar, formado por plataformas suspensas apoiadas em quatro vigas de aço. 

 

“O andar térreo se estabelece como um pedestal, uma base para a parte superior da casa, a estrela principal”, diz Durbach.“Estar no interior de suas formas sinuosas é uma verdadeira experiência, as extensas superfícies envidraçadas garantem uma visão sob ângulos variados e em todas as direções, sem que seja preciso sair do sofá. Temos a impressão de que as ondas vão chacoalhar a casa, tamanha a relação estabelecida com a natureza ao redor”, comenta o arquiteto. “Emoldurado pelo concreto, o vidro é o meio para a plena contemplação da natureza, onde se imprimem, como em uma tela, as mudanças de cor de cada elemento ao longo do dia.”

 

Nem todos os ambientes, porém, contam com vidros de cima a baixo. “Não queríamos uma caixa envidraçada. Optamos por fechar algumas faces com concreto porque a proposta não é ter uma vista panorâmica o tempo todo”, explica Camilla Block, sócia de Durback e parceira criativa no projeto. “A ideia é propiciar ao observador diferentes formas de contemplar a paisagem, sob diferentes enquadramentos, de um modo mais cinematográfico”, descreve a arquiteta. Na sala de jantar, por exemplo, os vidros curvos estão instalados em uma parede de alvenaria maciça, enquadrando o mar e cortando do cenário a maior parte do céu. “Além disso, espelhos instalados em ângulos estratégicos ao longo da janela produzem reflexos surpreendentes dos jardins e da piscina, conforme nos movimentamos pelo espaço interno.”

 

A proprietária da Holman House, Jennifer Holman, diz não encontrar palavras para descrever a sensação de tomar o café da manhã vendo as ondas crescendo sob seus pés. A melhor parte, segundo ela, foi reservada ao quarto, onde os vidros abrem vista para o espetáculo diário do nascer do sol sobre o azul profundo do Pacífico. “A ideia inicial era instalar cortinas. Mas depois de alguns dias pensamos: para quê?”