Embora nem sempre se perceba, o vidro plano está definitivamente incorporado a produtos e serviços que utilizamos em nosso dia a dia. Sua beleza, transparência e tecnologia marcam presença em fachadas, fechamentos, para-brisas, janelas de edificações e veículos e em equipamentos de eficiência solar, como painéis solares e fotovoltaicos. Em menor proporção, ganha espaço crescente no universo da decoração e do design de interiores, em divisórias, pisos, portas, escadas, guarda-corpos e móveis, além de dispositivos eletrônicos, eletrodomésticos e outros tantos objetos.
Desde a entrada e fusão da matéria-prima na planta até os processos empregados para agregar diferenciais estéticos e funcionais à sua superfície, a alta tecnologia que permeia a fabricação do vidro plano tem conduzido o material a patamares de mercado cada vez mais altos. Float ou impresso, o vidro plano conquistou seu espaço no universo da arquitetura, da construção e da decoração, e sua presença cresce de forma acelerada, associada aos recursos e benefícios que o material pode agregar.
“Hoje a indústria propicia resultados perfeitos à superfície do vidro plano. Além disso, as tecnologias das camadas de revestimento do vidro têm associado o material às mais avançadas soluções de desempenho energético, térmico, acústico e estético”, afirma Rick Wilberforce, presidente do comitê de relações internacionais da Glass for Europe, entidade que congrega os principais fabricantes europeus de vidros para construção, indústria automotiva e de transportes. “Os incríveis avanços das tecnologias de fabricação do vidro no último quarto de século tem ofertado aos arquitetos uma gama completa de produtos que, sobretudo, são protagonistas da eficiência energética dos edifícios.”
Cenário mundial
A fabricação do vidro plano, tanto do float como do impresso, envolve processos complexos e de custo elevado. Cada planta requer investimentos de longo prazo e ferramentas e habilidades técnicas de alto nível. “Uma planta de vidro float movimenta grande volume de capital e seu custo pode variar em média entre US$ 70 e 200 milhões (cerca de R$ 190 a 550 milhões), dependendo do tamanho e capacidade produtiva”, afirma Bertrand Cazes, secretário geral da Glass for Europe. Por essa razão, o número de plantas estabelecidas ao redor do mundo é limitado. “O cenário dessa indústria é caracterizado por grandes fabricantes internacionais com poucas linhas de produção”, explica o representante da entidade, que atualmente congrega as principais companhias da União Europeia: Saint-Gobain Glass, com 17 plantas; AGC, com 13; NSG Group (Pilkington), com 11; e a turca Sisecam, com 7. A associação trabalha também com a Guardian, atualmente com 8 plantas na região.
O mercado global de vidros planos produz aproximadamente de 52 milhões de toneladas por ano, dos quais 29 milhões podem ser considerados vidros de alta qualidade. Essa produção está concentrada na Europa, na China e na América do Norte, que juntas detém três quartos da produção mundial. Segundo Cazes, cerca de 18 milhões desse total são vidros de baixa qualidade, produzidos sobretudo na China, mercado que concentra 50% da produção global. “A participação do mercado chinês têm crescido muito desde os anos 1990, conforme o país foi se abrindo para investimentos internacionais e a sua economia se expandindo”, observa. “Para se ter uma ideia de como esse crescimento se deu de forma acelerada, no início da década de 90 a China era responsável pela produção de apenas um quinto da demanda global.”
Na Europa, essa produção está distribuída em 16 países, dos quais três quartos são dominados por Alemanha (19%), França (12%), Itália (12%), Bélgica (12%), Inglaterra (9%), Espanha (9%) e Polônia (5%). Além das indústrias já mencionadas, outros players importantes incluem as alemãs Euroglas, com quatro plantas, e Interpane, com uma. O crescimento médio desse mercado no continente, informa Cazes, gira em torno de 2% a 3% ao ano. “Entretanto, a demanda do vidro plano tende a ser particularmente sensível aos ciclos econômicos, em razão de sua alta dependência em relação às indústrias de construção e automotiva”, observa.
Cazes ressalta que, apesar dos avanços tecnológicos experimentados pela indústria vidreira, pesquisas apontam quanto é nítido o impacto sofrido pelo mercado europeu após a crise dos últimos anos. Em 2008, eram 58 linhas em operação no continente, com uma capacidade produtiva correspondente a 12,7 milhões de toneladas, e quatro novos projetos em andamento. Em 2013, de um total de 60 linhas, 14 foram desativadas e não há sequer um novo projeto previsto.
Promessas e incertezas
No Brasil, já são seis fabricantes operando na base da cadeia vidreira, quatro na fabricação do vidro float e dois na de vidros impressos. Nos últimos dez anos, o País ganhou novas linhas da Cebrace, em 2004 e em 2012, e da multinacional Guardian, que iniciou em 2010 a expansão de sua presença em terras brasileiras, com a inauguração de uma nova linha de float em Tatuí (SP) e outra de coater, para a produção de vidros de proteção solar. Além dessas, o mercado nacional aguarda para este ano a inauguração das fábricas de duas recém-chegadas: AGC e CBVP.
Embora ainda não estejam produzindo no País, as novas fabricantes já são consideradas players ativos, por atuarem na comercialização de vidros importados. Outra inauguração esperada para breve é a da sexta unidade de Cebrace, a C6, na cidade de Camaçari, na Bahia, e será a primeira fábrica da empresa na região Nordeste, com capacidade produtiva de 800 toneladas por dia. Já o segmento dos vidros impressos, voltados sobretudo para a decoração, são representados por UBV e Saint-Gobain Glass, com unidades fabris nas cidades de São Paulo e São Vicente (SP), respectivamente.
Líder mundial no segmento, a multinacional de origem japonesa AGC planeja para o segundo semestre o início das atividades da planta que está sendo erguida na cidade de Guaratinguetá, no interior de São Paulo. O projeto recebeu investimento inicial superior a R$ 800 milhões, valor que já foi aumentado para antecipar a produção de espelhos. Embora não especifique em detalhes os diferenciais e recursos de sua linha, que segundo a empresa são um “segredo industrial”, a AGC promete trazer para o Brasil o que há de mais moderno em todo o mundo em termos de tecnologia e processos. “Mais do que por nossa capacidade produtiva, queremos nos diferenciar pela qualidade de nossos produtos”, ressalta o gerente de comunicação da AGC Brasil, Lucas Oliveira.
Entre equipamentos e soluções empregadas na planta, Lucas destaca a pedra refratária do forno, produzida pela própria AGC no Japão. “Desde 1916, a AGC mantém uma unidade de negócios – AGC Ceramics – totalmente dedicada à produção dessas pedras refratárias”, informa o gerente. “Vale ressaltar que a pedra refratária de um forno é fundamental para um vidro de alta qualidade.” Além disso, acrescenta Oliveira, a planta contará com a produção de vidro plano mais eco-amigável de toda a América do Sul, “Investimos em um sistema de controle de emissões de particulados chamado APC (Air Polution Control), inédito na região. Em razão desse sistema, a AGC conseguiu obter sua licença de instalação em tempo recorde.”.
Primeira fabricante 100% brasileira, a CBVP também contará com recursos de última geração em sua planta, prevista para ser inaugurada ainda este ano, na cidade de Goiana (PE). “A Siemens, junto com a Fives Stein, nosso parceiro tecnológico, desenvolveram todo o sistema integrado de controle do processo produtivo da CBVP”, afirma o diretor comercial Henrique Lisboa. A empresa já atua na distribuição de vidros planos por meio de dois centros de distribuição, localizados em Pernambuco e São Paulo, com capacidades de armazenamento de 11 mil e 12 mil toneladas.
Lisboa informa que a CBVP utilizará uma tecnologia inédita no Brasil, a L.E.M.™ (Low Energy Melter™), que torna o processo de fusão do vidro mais eficiente em comparação com a média mundial. “Em nossa planta haverá uma redução significativa de emissão de gases de efeito estufa, minimização na geração de resíduos, utilização racional de água e parte da energia utilizada será originada de fontes renováveis. Seremos uma das mais modernas fábricas de vidros planos do mundo”, afirma o diretor. A CBVP também será a única indústria de vidros float do mundo a utilizar o método “Mine to Line”, que consiste em controlar a fabricação do vidro a partir da extração das matérias-primas em minas próprias. “Teremos a nossa própria usina de beneficiamento e essa inovação contribuirá para a garantia de fornecimento de matéria-prima e para a qualidade do produto final.”
Gargalos
Importações a preço muito baixo, custo Brasil alto referente à cadeia logística, elevadas tarifas para certos insumos e falta de incentivos para uso de produtos com maior tecnologia, que possam trazer beneficio para o consumidor e para o meio ambiente. Esses são alguns dos entraves apontados por Ana Paula Camargo, diretora de marketing da Guardian, ao pleno desenvolvimento da indústria do vidro plano do Brasil.
A chegada de novos players é aguardada com otimismo pelo mercado de um modo geral. “A indústria vidreira no país está em um momento de grande evolução com a chegada de novos players. A cadeia produtiva está em processo de profissionalização, e os clientes finais exigindo produtos adequados ao clima e necessidades de nosso país”, avalia Ana Paula. “A livre concorrência vai oferecer novas perspectivas às empresas e aos consumidores, com produtos fabricados localmente, sem subsídios governamentais, algo que resulta em valores de comercialização semelhantes.”
A previsão é de que as companhias preencham um espaço ocupado atualmente pelos vidros importados, cuja entrada no País deve ser refreada pela elevação de 10% para 20% nas tarifas de importação, estabelecida pelo Governo Federal no início do ano passado. Dados da Abividro – Associação Brasileira das Indústrias Automáticas de Vidro – apontam que o consumo de vidro plano no ano passado foi de cerca de 500 mil toneladas, sendo que os vidros importados respondem por 35% dessa quantia. A expectativa com a chegada de novos players é de que esse número caia para 10% até o final do ano. “O maior risco da massificação da entrada de vidro no Brasil, principalmente o de origem chinesa, é a falta de compromisso do fornecedor com o mercado e sua respectiva cadeia”, avalia o diretor da CBVP, Henrique Lisboa.
Segundo Oliveira, da AGC, a entrada de vidro importado tem-se reduzido significativamente. De acordo com os números apurados pela AGC e abertos para consulta junto ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, quando se compara o volume importado entre janeiro e fevereiro de 2013 com o mesmo período do ano passado, observa-se queda de 17,4%. “Isso é reflexo dos ajustes realizados pelo Governo, mas, também, do aumento da oferta interna. Acredito que, apesar do preço mais baixo do vidro importado, os processadores e distribuidores de todo o Brasil ainda preferem contar com um parceiro local que agregue valor ao seu negócio e lhe dê mais segurança no abastecimento”, avalia o gerente.
A produção vidreira nacional tem apresentado resultados satisfatórios e números favoráveis. A capacidade produtiva da indústria doméstica de vidros planos tem aumentado de forma importante, levando a uma previsão de crescimento de 128% em apenas seis anos, segundo pesquisa recente divulgada pela Abravidro. Principal aposta dos fabricantes, os vidros de alto valor agregado estão sendo fabricados em escalas cada vez maiores e prometem alavancar a produção. Mas, para isso, o setor conta com um significativo aumento do consumo, ainda considerado baixo no País, para afastar definitivamente a ameaça de produção excedente. “O cenário é de crescimento”, avalia Alexandre Pestana, presidente da entidade. “Os números do Panorama Setorial Abravidro mostram que o desempenho do setor está sempre muito acima do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Mantendo o atual ritmo de atividade, em pouco tempo iremos dobrar o consumo per capita de vidro no Brasil em relação ao ano de 2006.”
Maior do mundo
Inaugurada em 2010, a fábrica da AGC localizada na cidade de Klin, a 80 km de Moscou, na Rússia, é considerada a maior linha de produção de vidro plano do mundo. Com um investimento de € 150 milhões, a nova linha da AGC Glass Europe tem capacidade de produção de mil toneladas por dia, em espessuras de 4 a 12 mm. Sua produção é escoada pela rede de distribuição da AGC Glass Rússia – na forma de enormes chapas de vidro para processadores. “Esta nova linha não é apenas uma localização ideal, mas também nos permite reforçar a presença local dos nossos produtos e serviços nos grandes centros consumidores de São Petersburgo e Moscou“, afirma Vladimir Shigaev, gerente geral da AGC Glass Rússia. “O momento é perfeito, agora que a procura no mercado russo está crescendo, especialmente para produtos de alto valor agregado para a construção civil.”
A planta também conta com processos de beneficiamento do vidro float para os segmentos de arquitetura e fachada (vidros refletivos de controle solar e/ou isolamento térmico); interior & design (espelhos, e vidros pintados); e segurança (vidros laminados). As inovações técnicas implantadas nessas novas instalações significam também mais eficiência na produção, em termos de qualidade e de consumo de energia, e permitem ajustar rapidamente a oferta em consonância com a demanda, o que representa uma verdadeira vantagem competitiva no mercado russo. “Além de reforçar nossa liderança na indústria de vidro na Europa Oriental, esses investimentos ilustram claramente a ambição da AGC Glass Europe de moldar o futuro do vidro com soluções inovadoras”, diz o presidente e CEO da AGC Glass Europe, Jean-François Heris.