Arte solidária

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Capa: Arte solidária

Em todo o mundo, os índices de doação de órgãos figuram entre as grandes preocupações das instituições de saúde. Embora os números aumentem ano a ano (o Brasil, por exemplo, dobrou seu número de doadores nos últimos dez anos, segundo dados do Ministério da Saúde divulgados recentemente), ainda é grande a carência de doadores em todas as partes do globo, aumentando as filas de pacientes à espera de um coração, de um rim, de um pulmão. Muitos acabam morrendo antes de receber a doação. Engajada na causa, a designer islandesa Sigga Heimis decidiu produzir um trabalho contundente, que chamasse a atenção para a questão e de alguma forma, aumentasse a conscientização da população quanto à doação de órgãos. “O projeto foi originado, sobretudo, pela possibilidade de estimular a discussão sobre o tema, lembrar as pessoas da importância da doação”, diz a artista.

 

Produzir os orgãos em tamanho aumentado foi uma forma de atrair a atenção para o tema.

 

 Dessa nobre motivação nasceu a série Glass Organs, um projeto que abraçou com o apoio do Corning Museum of Glass (CMOG), maior museu dedicado à arte vidreira em todo o mundo, com um acervo de mais 40 mil trabalhos em vidro produzidos ao redor do mundo ao longo de 3.500 anos. 

 

Situado na cidade de Corning, no estado de Nova York, o espaço oferece oportunidades únicas de tocar, manipular e explorar o vidro em suas mais diversas possibilidades artísticas e tecnológicas. A artista e o museu vêm desenvolvendo trabalhos em parceria desde 2007, e foi nesse contexto de mergulhar, livre de qualquer fi ltro ou limitação, nas técnicas e ferramentas oferecidas pelos equipados ateliês do CMOG, que Sigga foi capaz de desenvolver peças impressionantes, de variados tamanhos, representando órgãos do corpo humano passíveis de doação.

 

 

 

 

No Glass Lab do Corning Museum of Glass, a artista e sua equipe exploraram as técnicas mais comuns do vidro soprado

 

A coleção esteve em exposição em Estocolmo, na Suécia, no final do ano passado, incluindo peças como gigantescos globos oculares, corações, cérebros e células sanguíneas. fluidas, orgânicas e macias, ou seja, perfeitamente adequadas para serem trabalhadas no vidro”, comenta Sigga. “Como o vidro, os órgãos são extremamente frágeis, mas também fortes e resistentes, dependendo das circunstâncias.” Além disso, acrescenta a artista, nenhum outro material carrega em si mesmo qualidades tão marcantes e atrativas aos olhos. “É uma substância fantástica por si só, dotada de uma simplicidade única, e que ao mesmo tempo exerce um verdadeiro magnetismo sobre os olhos. Nesse sentido, é um material perfeito quando o intuito é chamar a atenção.” 

 

Sigga afirma que sempre foi fascinada pelo vidro e por suas peculiaridades. “Sem dúvida ganha de todas as outras matérias primas artísticas em termos de beleza, delicadeza e organicidade”, opina.Sua curiosidade profissional em investigar o modo como o design, aliado ao uso criativo e inovador de materiais inusitados, pode se tornar uma poderosa ferramenta para atrair a atenção para determinadas questões, normalmente delicadas e difíceis de serem abordadas, só fez aumentar sua atração pelo material. “Alguns temas que parecem corriqueiros ainda são tratados por muitos como um grande tabu”, comenta a artista. “Reproduzir órgãos humanos em vidro, e em tamanho aumentado, foi uma forma de superdimensionar o tema, fazer reverberar a motivação e a consciência dentro de cada um”, comenta Sigga. “Sempre digo que, se podemos receber um órgão, então é porque também estamos aptos a doar um.” 

 

 

 

 

Quanto aos métodos de trabalhar o vidro, a artista revela que usou os mais tradicionais possíveis.“Usamos as técnicas mais comuns do vidro soprado, nenhuma nova fórmula foi agregada, pois o intuito era mesmo se concentrar no escopo do projeto”, diz Sigga. “Fundamental, mesmo foi a valiosa expertise de toda a equipe envolvida.”

 

Designer industrial e de produtos na Suécia e na Islândia, Sigga Heimis atuou por sete anos como freelancer para a loja de móveis Ikea, e depois como diretora de arte na dinamarquesa Fritz Hansen, antes de abrir seu próprio estúdio na Suécia, em 2010, batizado de Studio Sigga Heimis.Atualmente, é uma as principais artistas do Corning Museum of Glass, que acabou se transformando, segundo suas próprias palavras, em seu “playground” favorito. “Além de poder desenvolver e criar sem qualquer limitação técnica ou de espaço, aqui trabalho com uma equipe de verdadeiros mestres vidreiros. Assim fi ca muito mais fácil para uma simples designer como eu aplicar técnicas mais avançadas e complexas”, diz a artista. “É uma forma de trabalhar o processo como um todo, enxergá-lo e participar dele do início ao fim, mergulhar a fundo no mundo do vidro, em sua história e em todos os seus aspectos e nuances.”